Os pioneiros do cacau
Linhares já merecia um livro só com informações sobre os cacauicultores do Município, tão inesgotável e cheio de vida nos pareceu este assunto.
Mas como o nosso objetivo não é apenas este, muitos poderão ser omitidos, e esperamos que outros, motivados pelas omissões, se proponham a este trabalho.
Impossível deixar de começar por Filogônio Peixoto. Encontramos referência sobre ele como sendo o “Pai do Cacau” em Linhares, e não é por menos que a Estação Experimental da Ceplac tem o seu nome. Afinal, foi ele quem se propôs a adquirir terras no município para grandes plantios. Foi através dele que tantos trabalhadores anônimos, da Bahia e daqui, levantaram com seu labor e regaram com seu suor os primeiros lotes de cacau. Além disto, o “Dr. Filó”, como era chamado por muitos, fez propaganda sobre as riquezas e possibilidades desta terra, em “Vitória, Rio de janeiro e nos jornais”.
Estas propagandas foram feitas com base não só em sua estada em Linhares, como pelas palavras de Manoel de Bastos Guerra, mandado a Linhares para dar sua opinião sobre as terras do rio Doce. Este baiano trabalhava antes na fazenda Humaitá, em Belmonte, propriedade do Sr. Antônio de Negreiros Pego, que fora amigo e companheiro de Filogônio, na implantação da cacauicultura nas margens do rio Doce.
A opinião de Manoel de Bastos Guerra, a quem chamamos de Pilar do plantio sistemático do cacau em Linhares, foi a seguinte: “as terras do rio Doce nada ficam a dever às boas terras do rio Pardo e Jequitinhonha”.
Mas antes, em 1918, vieram o Sabino Morcove e sua esposa D. Tina para administrarem a fazenda Maria Bonita. Depois, neste mesmo ano, veio, chamado por Morcove, o senhor Manoel de Bastos Guerra. Antes de sair de Belmonte, recebeu então a incumbência de Filogônio para dar sua opinião sobre as terras do rio Doce.
Assim, estes dois homens realizaram seu trabalho de implantação do cacau em larga escala, com sementes que o Dr. Filogônio enviara da Bahia.
Segundo o Sr. Nylton Guerra, Sabino Morcove, belga de nascimento e naturalizado americano, não permaneceu muitos anos na Maria Bonita. Ficou o tempo suficiente para dar início aos trabalhos, junto com sua esposa, a italiana D. Tina, e animar outros daqui a fazerem o mesmo.
Com a saída deles, Guerra continuou e vários caboclos baianos vieram ajudá-lo na formação dos cacaueiros da Maria Bonita e nas Primor e Gigante. Esses caboclos, que são nomeados por Dr. Lastênio em seu livro, página 126, deixaram as fazendas depois, para se estabelecerem em colônias cedidas pelo Estado, através do governo Nestor Gomes.
Guerra administrou as fazendas mencionadas até ver as primeiras produções e o sucesso do seu desempenho. Em 1929, pretendendo dedicar-se à compra e revenda do cacau, deixou aqueles estabelecimentos. Não sendo possível realizar este objetivo, instalou-se em duas colônias que formam hoje a fazenda Relíquia. E então, começou tudo de novo: desbaste da mata, plantio e a longa espera pelos primeiros frutos que na época demoravam de 6 a 8 anos. Por aqui ele permaneceu pelo resto de sua vida, tão firmemente plantado como um pilar granítico; tão enraizado como as próprias árvores que viu crescer.
Com a sua saída, em 1929, ficou na administração da Maria Bonita o Sr. Manoel Salustiano de Souza, que viera da Bahia para este fim. O cacau que o Guerra deixara produzindo começa a dar lucros.
Com eles, e sob os cuidados de Salustiano, foram feitas as belas instalações da fazenda e as casa dos trabalhadores, com tanto capricho e zelo, que despertaram a admiração de um turista espanhol, José Casais, por volta de 1939.
Manoel Salustiano de Souza foi outro baluarte do cacau linharense, impulsionando, expandindo suas atividades e se responsabilizando, junto com o Dr. Auto Guimarães e Souza, pela administração das fazendas de muitos que, tendo aqui adquirido propriedades influenciados pela propaganda do Dr. Filogônio, residiam em outros lugares.
Auto Guimarães e Souza veio para Linhares em 1922, a convite do Dr. José Rosendo da Silva. Natural de São Félix, Bahia, era engenheiro e logo foi contratado pelo Estado para o serviço de medição de terras. Conheceu ainda o Sabino Morcove e com ele aprendeu o ABC do cacau. Segundo o Dr. Carlos Lindenberg, era homem de lisura extraordinária e poderia ter requisitado as melhores terras do rio Doce, mas não o fez. Adquiriu as que compõem hoje a fazenda São Félix e ali dedicou-se ao plantio do cacau até 1943.
Neste ano, deixou o serviço do Estado e foi para o Rio de Janeiro. Passando lá alguns anos, voltou mais tarde. Na sua fazenda criava também cavalos de puro-sangue inglês e gado das raças gir e guzerá. Esta última raça, guzerá, foi introduzida por ele na região. Os animais eram belos exemplares e os reprodutores alcançaram até prêmios em exposições dentro e fora do Estado.
Na mesma época de Dr. Auto, estava em Linhares o Sr. Cícero Tostes. “Viera como sargento da Polícia Militar, mas deixou a farda para plantar cacau, na mesma fazenda que o Dr. Auto chamou depois de São Félix”.
Em 1918, chegou a Linhares o espanhol Mário Arnal, com seus filhos ainda crianças. Instalou-se nas terras que adquiriu de seu primo, Dr. Pascoal, médico em Vitória na época. Fez plantios de cacau e, enquanto não produziam, foram para Vitória onde se dedicaram a outras atividades, mas sempre vindo “olhar a sua roça”.
Segundo Atahualpa Costa, na época em que estiveram em Vitória, surgiam, no Brasil, os primeiros carros a gasolina e foi quando o Paco tornou-se um grande conhecedor de mecânica e hidráulica. Depois que o cacau iniciou a produção, instalaram-se em Linhares e nunca mais saíram. Nesta terra, que hoje guarda as suas lembranças, deixaram também, como tantos, seu suor e os resultados de sua perseverança e trabalho.
Outro pioneiro: Durval Calmon foi á Bahia por volta de 1920/21, encarregado pelo Governador Nestor Gomes, fazendo parte de uma comissão de estudos da lavoura cacaueira. Depois, juntamente com o Coronel Lastênio, fizeram novos plantios na fazenda Taquaral. Seu exemplo foi seguido mais tarde pelos seus parentes, que antes, dedicavam-se mais à exportação de madeira e fabrico de açúcar.
Além destes, havia aqueles a que chamamos de empresários, isto é, tinham fazendas de cacau em Linhares, mas residiam fora, e muitos são nomeados por Lastênio Júnior, página 127.
Tomavam conta destas propriedades, não somente o Dr. Auto e Salustiano, mas também o Sr. João Pereira Neto e os irmãos Waldir, Álvaro, José e Wilson Durão, filhos do “pai Lula” ou Luís Cândido Durão.
Contratavam pessoal para fazer o plantio e cuidavam dos problemas que surgiam. Depois, eles e outros linharenses, como correr do tempo, foram se entusiasmando com os resultados e fazendo seus próprios plantios.
A maioria contratava trabalhadores, para o que chamam de “mutirão”, nos arredores das lagoas do município. Na beira de lagoas como a Juparanã, Aviso, do Meio e Urural, havia sempre casebres de caboclos nas margens, que se aglomeravam uns perto dos outros, para se sentirem mais protegidos dos perigos da floresta.
Cada um desse será o “homem desconhecido, o caboclo brasileiro, que contribuiu com seu esforço e sua coragem para o desenvolvimento da lavoura cacaueira do rio Doce. Para esse homem a nossa admiração, o nosso respeito e a nossa estima. É ele que, sem auxílio e sem proteção, com apenas um facão, uma foice e uma mochila de farinha, dormindo ao relento e enfrentando toda sorte de perigos, abre a picada de todas as regiões inóspitas do território brasileiro, pela qual entra depois a civilização e o progresso”.
Fonte: Panorama Histórico de Linhares, 1982
Autora: Maria Lúcia Grossi Zunti
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2012
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