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Principais realizações de Francisco Gil de Araújo

Forte Piratiniga - Acervo Edward D Alcantara

Só em 1678 o novo donatário pisou o solo espírito-santense, aqui permanecendo até 1682, quando regressou à Bahia.(24)

Sua administração distinguiu-se pelas obras que levou a termo e pelo entusiasmo com que se entregou aos descobrimentos das ambicionadas esmeraldas.

Atestando-lhe as realizações, o provedor Manuel de Morais(25) forneceu minuciosa informação, em que descreveu o estado da capitania tal como a recebera e a situação em que a deixara. Vale a pena destacar as principais passagens do documento, pois oferece elementos ímpares para a reconstituição das condições do Espírito Santo em meados da segunda metade do século XVII.

O forte N. S. do Monte do Carmo, que estava em alicerces, Francisco Gil de Araújo concluiu; o de S. João, encontrado em ruínas, foi reedificado; de sua iniciativa, conta-se o forte de S. Francisco Xavier, estrategicamente situado para proteger a entrada da barra de Vitória.

Os dízimos não chegavam a render 2:000$000, mas foi durante a gestão do dinâmico donatário que a capitania conseguiu liquidar os atrasados com “o dote e pax de Hollanda”.(26) Também a Misericórdia de Lisboa era credora da capitania e se lhe enviaram doze mil cruzados entre 1678 e 1682. Às quatro companhias que existiam nas vilas da Vitória e Espírito Santo, Gil de Araújo fez acrescentar mais cinco – entre estas uma dos homens pardos. Vitória teve os seus templos asseados e a casa da Câmara consertada. Vila Velha, “que somente apparencias de villa tinha”, mereceu carinhos especiais: o donatário “mandou fazer casa da Camara que nunca teve, pelourinho, tudo de pedra e cal e tão perfeito que se não acha villa que a tenha como ella”, encareceu o provedor. A Casa da Misericórdia, de “que não se viam mais que os vestígios”, foi reedificada, “ficando perfeitíssima”.

Coube a Francisco Gil de Araújo o privilégio de fundar a vila de N. S. da Conceição (do Guarapari)(27) – a primeiro de janeiro de 1679 – instalando-a “a primeiro de março seguinte, no mesmo sítio em que os jesuítas, desde o último quartel do século antecedente, mantinham uma Residência”.(28)

Quatorze entradas à serra das Esmeraldas promoveu o donatário, sendo que duas pelo rio Doce. Nas últimas despendeu mais de doze mil cruzados.

Todas as empresas e realizações foram financiadas exclusivamente por Francisco Gil de Araújo, assevera o provedor no valioso atestado, que nos revela, também, o seu procedimento piedoso, mandando “dar sepultura decente aos ossos do primeiro donatário Vasco Coutinho”. (I)

Resta mencionar as notícias colhidas em outras fontes a respeito de administração tão progressista. Rubim, por exemplo, informa que Gil de Araújo “trouxe da Bahia muitos casais de colonos a quem doou terras, e tanto a estes, como aos antigos moradores assistiu com cabedal para fornecerem seus engenhos e lavouras. Este dinheiro de primor foi causa do incremento que teve nesse tempo a lavoura de cana de açúcar”.(29)

Antes de embarcar para o senhorio – ainda na Bahia – sabendo estar vago o cargo de ouvidor, cuidou logo de preenchê-lo, encarregando, deste modo, a uma autoridade legalmente constituída, a tarefa de distribuir justiça.(30)

É nova atitude a depor a favor do homem de mais ampla visão dentre os que passaram pela administração capixaba na fase colonial.

 

NOTAS

(24) - Informação do provedor Manuel de Morais transcrita na nota I deste capítulo.

(25) - Manuel de Morais já era provedor da Fazenda da capitania do Espírito Santo em 1663, conforme se vê da provisão inserta no vol. XXI, p. 43 ss, dos Documentos Históricos. Em 1687, era capitão-mor (DH, XI, 136). A primeiro de dezembro do ano seguinte (1688) outra carta do governo da Bahia ordenava-lhe que entregasse a capitania ao novo capitão-mor (DH, XI, 149-50).

– Ocupou vários cargos na administração espírito-santense. É o que nos revela o seguinte trecho da carta régia de dezessete de julho de 1673, que lhe fez mercê da Propriedade do Officio de Provedor da Fazenda da Capitania do Espirito Santo: “tendo respeito ao cuidado, zelo, e limpesa com que Manuel de Moraes filho de outro, e natural desta cidade serviu na Capitania do Espirito Santo os Officios de Escrivão da Fazenda, Juiz dos Orfãos, Provedor das Fazendas dos defuntos, e ausentes, e Provedor da Fazenda Real desde o anno de mil, e seiscentos, e cincoenta e quatro até o anno de seiscentos, e setenta e dois e occupado justamente o posto de Capitão de uma das Companhias da Ordenança da mesma Capitania o exercitar com geral satisfação; e a esse respeito ser encarregado do Governo daquella Praça na ausencia do Governador della Diogo de Seixas Barreto digo della Diogo de Seixas Barrasas [Barradas?] procedendo assim nelle como no cargo de Vereador, e Juiz Ordinario com todo o zelo, e desinteresse” (DH, XXV, 294-5).

– Em 1692, Francisco Monteiro de Morais foi nomeado provedor da Fazenda Real, cargo “que vagou por fallecimento de Manuel de Moraes seu pae proprietario delle” (DH, XXX, 354).

– Serviu “o officio com grande satisfação, no discurso de trinta annos”, diz o governador geral (Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho) em 1693 (DH, XXXIV, 102).

(26) - “Carta para os officiaes da Camara da Villa da Victoria sobre o donativo do dote e paz, que os moradores estão devendo. – Os moradores dessa Capitania estão devendo aos donativos do dote de Inglaterra, e paz da Holanda 1:427$650, que cairam desde o anno de 72 até o presente a 220$ por anno. Não entendia eu que estaria tão retardada a satisfação de uma obrigação tão precisa. Vossas Mercês como a quem ella toca mais principalmente, e suppondo terão já cobrado este dinheiro, o mandem completamente na forma que é estylo remetter-se dessa Capitania a esta praça; e quando falte algum resto Vossas Mercês o façam logo arrecadar executivamente para que em todo o caso venham os ditos 1:427$650 a entregar ao Thesoureiro do Donativo Real Antonio de Azevedo Moreira, sem ficar desta cousa alguma atrazada. E advirtam Vossas Mercês, e os officiais que nessa Camara lhe succederem que infallivelmente hão de mandar cada anno os 220$ que tocam a essa Capitania sem ser necessaria nova lembrança assim pela importancia de se não atrazar o donativo, como pela conveniencia de o povo pagar mais facilmente cada anno o que lhe toca, do que juntamente toda a quantia, que ou a omissão, ou os descuidos da Camara faz agora ser tanto maior. Bahia, e Outubro dezesete de 1678” (DH, XI, 98-9).

(27) - “Francisco Gil de Araujo, Fidalgo da Casa de S. A., como donatario e perpetuo Governador da Capitania do Espirito Santo. Faço saber aos que esta minha carta de fundação da Vila de Nossa Senhora da Conceição de Guaraparim virem que por parte dos moradores do districto della me foi aprezentada huma petição em que me pedião que, conforme a minha doação e faculdade que S. A. foi servido dar-me para fazer villas, mandasse fundar humana Barra do Rio de Guaraparim, que he navegavel de navios, por quanto vivião dez legoas distantes das Igrejas com ruins passagens de rios, por cuja cauza morrião algumas pessoas sem confissão e padecião grande falta de sacramentos, tendo eu consideração ao grande serviço que se faz a Deus Nosso Senhor e a S. A. no augmento da Capitania; houve por bem mandar levantar pelourinho e dar termo, jurisdicção, liberdades e insignias de villa, segundo o fôro e costume do Reino de Portugal e lhe consigno seis legoas de termo, que começará da ponta da fructa para o sul, pelo que mando ao Ouvidor desta Capitania que vá á dita villa e faça eleição dos juizes e vereadores, que hão de servir este anno, conforme as leis do Reino, para firmeza do que mando passar esta sob meu signal e sello de minhas armas” (apud ALMEIDA, Inventário, IV, 181).

– A nove de março de 1688, o soberano se dirigia ao governador geral nos seguintes termos: “Por me ter presente que Francisco Gil, morador e natural dessa cidade da Bahia, não tem povoado a vila de Guarapari com o número de moradores a que se obrigou quando pediu licença para a sua fundação, estando os poucos moradores que hoje há na dita vila sem pároco, nem quem lhes administre os sacramentos” (DH, LXVIII, 205-6). Esta carta, no caso de ter fundamento o que assevera, vem trazer enorme prejuízo ao valor das afirmações contidas na Informação de Manuel de Moraes (nota I deste capítulo).

– De qualquer maneira, em 1713, em Guarapari já havia clérigo administrando sacramentos aos moradores da vila. Em seu favor, os “Oficiais da Câmara da Vila de Nossa Senhora da Conceição da Capitania do Espírito Santo” requereram a el-rei pedindo lhe fosse pago seu ordenado pela Fazenda Real (DH, XLII, 139).

– A vinte e três de julho de 1714, o marquês de Angeja escreveu ao capitão-mor do Espírito Santo, informando-o de que, brevemente, por ordem d’el-rei, o capitão engenheiro da Bahia viria a Guarapari fazer a planta da capela-mor de sua igreja-matriz (DH, XLII, 205-6).

(28) - FREIRE, Capitania, 80.

(29) - Memórias, 231.

(30) - MISAEL PENA transcreve a provisão de nomeação do ouvidor – Rodrigo Arias Sá Moura – datada de dezoito de julho de 1676 (Apêndice da História da Província do Espírito Santo, 43) e informa: “É este o primeiro ouvidor [?] que vemos nomeado para esta Capitania...” (op. cit., 73, nota).

NOTA (I)

“Imformação que dou a V. S. do estado em que fica esta capitania no breve tempo que nella assistio:

Já dey a V. S. relação do miseravel estado em que estava a fortificação desta praça quando Deus o trouxe a ella, hé bem que o torne a fazer do que a deixa no breve tempo em que nella assistio e não o farey só do que toca á fortificação, mas tambem do muito que fica augmentada.

Estava o Forte Nossa Senhora do Monte do Carmo, sómente em alicerces e muita parte arruinada. Com grande dispendio o aprefeiçoou V. S. acabando e abrindo lhe amêas para catorze peças com fortissima muralha de nove palmos de groço e oito de alto e tem húa fermoza praça em sy, cuja largura hé de 183 palmos e da porta athé a ultima ponta de diamente 120, lageada o necessario com dois telheiros para o resguardo da artilharia e fica ao presente com cuatro peças e cuatro pedreiros com suas carretas novas e o mais necessario. O Forte S. Joam que edificou o capitão João Ferrão de Castello Branco o achou V. S., tão arruinado que não estava capax de poder resistir a qualquer invazão, porque alem da ruina, estava a artilharia sem reparos; entre a plataforma que tinha e o primeiro fortim, fazia húa rua inutil.

Redificou o V. S. fortessimamente unindo a em hum só terrapleno, abrindo lhe mais torneiras pela parte do mar na muralha que acrescentou; e pela parte da villa vay fechar o mesmo fortim em altura que cobre a escada que V. S. lhe mandou fazer.

Neste fortim que estava inutil, está hoje artilharia e assim elle como a plataforma tudo lageado com os seus telheiros pera resguardo assim da artilharia como dos soldados donde ficam oito peças cavalgadas. Tinha mais este Forte um eirado que estava cahido e entulhado, está hoje perfeitamente acabado de vigame junto, ladrilhado e com betume por cima pera resguardo da madeira.

Estas Fortalezas ficam distantes da Barra, a de S. João meya legoa pouco mais a de N. S. do Carmo na marinha desta villa em que ficava a entrada sem impedimento algum e a Villa do Spirito Santo sem defença.

Mandou V. S. fundar o forte S. Francisco Xavier a entrada da Barra em sitio muito conveniente pera este effeito e de melhor segurança com o qual não hé possível poder passar embarcação sem grande risco. A forma delle hé de laranja, o diametro de 80 palmos e a circumferencia de 240, a muralha hé fortissima pois nace entre grandes penedos com doze palmos e nos mesmos continúa athé o pavimento do lageado e dahy sobe em nove de groço em dez amêas, toda a praça lageada com hum grande telheiro, e sua casa de pólvora; pode ser socorrida em qualquer conflicto e de prezente fica com oito peças cavalgadas.

Na primeira relação que dey a V. S. se vê haver somente nesta praça dezessete soldados de Infantaria, dois artilheiros e hum condestavel: hoje se contam trinta e tres soldados, seis artilheiros e o condestavel, então se socorriam aquelles poucos, apenas tinham sinco socorros pela falta de effeitos por andar a renda muy diminuta; hoje com os mais que V. S. acrescentou são mais socorridos, então não rendiam os effeitos mais que 255$000 rs. Deste se tiravam os gastos da Camara com que ficava cousa muy limitada, aplicou V. S. todo o seu cuidado em acrecentar e vemos que subiu esta a perto de 400$000 rs.

Os dizimos andavam em 1:468$000 rs. com a presença de V. S. se arremataram em 1:804$000 rs. e vemos crescerem 366$000 rs.

Estava esta capitanya muita cantidade de fazenda quando V. S. veyo a ella e ao dote e pax de Hollanda 1:438$000 rs. com grande diligencia mandou V. S. por em arrecadação todo este atrazado e mandando satisfazer o que em he orsada este anno com grande pontualidade e pera que se veja o quanto V. S. obrou neste particular hé de reparar que só em quatro annos que nesta capitania assystio se remeteram por sua ordem o melhor de quatro mil cruzados. Não só a dezempenhou V. S. desta obrigação mais ainda de muitos outros particulares, como mandando com grande zelo por em arrecadação a fazenda que se devia á Misericordia da cidade de Lisboa que foram o melhor de doze mil cruzados e se se contar tudo acho que do tempo em que V. S. entrou nella athé o presente tem esta capitanya pago o melhor de 30 mil cruzados, tudo se deve piedade com que V. S. tratou o augmento della a Tinham estas villas quatro companhias de ordenanças e estas sem ordem, hoje ficam divididas em nove com boa disposição: na villa da Victoria ficam cinco, na do Spirito Santo duas na Villa Nova húa e outra que V. S. ordenou dos homens pardos, com que fazem as nove.

Este hé o estado em que V. S. deixa a capitania em tão breve tempo tão aventajada do infimo em que a achou; estava incapax de defença, hoje fortificada com três fortalezas das melhores do Estado com dezesete soldados e dois artilheiros estava esta praça, hoje fica com trinta e tres, seis artilheiros e hum condestavel. Quatro Companhias tinha somente e hoje nove; duas villas attenuadas a da Victória e do Spirito Santo, hoje redificados. A Villa da Victoria com a casa da Camara concertada; os templos que estavam arruinados hoje com grande aceio estão em sua perfeição, concorrendo V. S. com sua ajuda de custo para tudo: A Villa do Spirito Santo que somente apparencias de villa tinha, mandou V. S. fazer casa da Camara que nunca teve, pelourinho, tudo de pedra e cal e tão perfeito que se não a acha villa que a tenha como ella.

A casa da Mizericordia que não se viam mais que os vestigios, mandou V. S. levantar, ficando perfeitissima, aqui mandou V. S. dar sepultura decente aos ossos do primeiro Donatario Vasco Coutinho que soterrados em húa arca ainda se conservam reliquias delles. Está hoje essa villa muito enobrecida, assim na justiça como no mais.

A Villa da Conceição que V. S. mandou edificar no rio Guarapim, consta sua fundação de trinta casáes e hoje com suas familias excedem de trezentas almas e já fica a villa perfeita com pelourinho de pedra e cal e forma de justiça por eleição que ha dois annos se continúa, com sua matrix muito fermosa de pedra e cal toda ladrilhada e paramentada ricamente, só lhe falta acabar a casa da Camera, cujos materiáes ficam dispostos pera ser da proporção da da villa do Spirito Santo.

Todas estas obras assim das fortalezas como das villas e fundação da nova hé de reparar que não concorreu pessoa algúa. Sómente concorreram os grandes dispendios com que V. S. aperfeiçoou tudo que em húa e outra cousa gastou melhor de doze mil cruzados e com maior cuidado se empregou nas jornadas á serra das Esmeraldas e não com menos dispendio, pois só nas duas entradas pelo rio Doce foram mais de doze mil cruzados e nas doze experiencias que por noticias que V. S. tinha, mandou fazer, se gastaram mais de dois e foram entradas catorze; acudindo a tudo com zelo do serviço de Deus e de S. A. não tendo hora ocioza que não fosse todas no emprego de melhorar esta capitanya e na verdade são as ações de V. S. dignas de serem imitadas. Villa da Victoria em vinte e sete de julho de 1682. O Provedor Manoel de Moraes.”

– Firmas reconhecidas pelo tabellião da villa da Victoria, Martim Damorim de Tavora e pelo Ouvidor Geral da Bahia, Dr. João Gois e Araujo.”

– Esse documento, cuja valia dispensa comentários, foi publicado pela primeira vez por ALBERTO LAMEGO, no 1.º vol., p. 148-51, d’A Terra Goitacá, de onde o reproduzimos.

 

Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, julho/2017

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