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Viagens à Capitania do ES - Por Bruno César Nascimento

Capa do Livro: Viagens à Capitania do Espírito Santo: 200 anos das expedições científicas de Maximiliano de Wied-Neuwied e Auguste SaintHilaire - Autor: Bruno César Nascimento

Apresentação do Governador

Trata-se este livro de uma memória acerca de memórias de viagens. Mas, avisa-se, não se abordam deslocamentos comuns. Pelo contrário, essa descrição assertiva apenas indica a natureza essencial de uma obra sobre eventos ímpares.

Tem-se aqui um relato acerca de viagens que fizeram história, seja pelas notáveis descrições pormenorizadas do olhar europeu sobre o “desconhecido” solo espírito-santense, seja pela relevância que tais obras conquistaram no rol das narrativas sobre o “novo mundo”.

Este livro nasce por ocasião dos 200 anos da realização de expedições às terras capixabas feitas pelo príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, em périplo no País de 1815 a 1817, cujo relato foi editado no livro “Viagem ao Brasil” (1820), e pelo botânico e naturalista Auguste de Saint-Hilaire, em viagem por aqui em 1818, relatada na obra “Segunda Viagem ao Interior do Brasil: Espírito Santo” (1833).

Além de apresentar ao leitor contemporâneo os marcos narrativos constantes de impressões e observações desses inquietos viajantes, o livro constitui uma análise sobre o contexto da “redescoberta” do Brasil, executada por observadores estrangeiros, a partir de um tipo de expedição tornada comum durante o século XIX.

Tais viagens, a despeito da polêmica em torno de sua cientificidade, acabaram por abrir caminhos para novos olhares sobre o Brasil, e o Espírito Santo, sem falar que produziram memórias que se colocam como fontes privilegiadas de leituras sobre um tempo com escassos recursos para pesquisas históricas.

Enfim, tem-se aqui um relato acerca de memórias europeias dos anos 1800 sobre a condição de ocupação e de vida em terras conquistadas no início do século XVI pelos portugueses.

Dessa forma, antes de tudo, esta publicação é um convite a novas viagens, incursões nas obras originais, cujas “paisagens”, “roteiros” e “relevos” são tão bem aqui destacados. Excelente leitura.

 

Boas viagens.

Paulo Hartung

Governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)

 

Apresentação do Secretário

A maioria dos estudos sobre a história do Espírito Santo tem uma mesma base de argumentos. Um dos mais importantes deles é o de que tivemos em todo o período colonial uma atividade econômica entregue ao que se tem chamado de marasmo. Ou seja, nossa produção enquanto sociedade foi mínima. Isso significa que estávamos muito atrás do que se passava no restante da colônia e que no olhar da metrópole pouco avançamos no chamado processo civilizatório, prova disso é que ainda tínhamos os temíveis índios Botocudos, sobretudo aqueles que viviam às margens do Rio Doce.

Em Viagens à Capitania do Espírito Santo, Bruno César Nascimento discute com inegável pertinência e bom estilo literário vários desses argumentos genéricos e, inclusive, o da existência de tão poucas atividades no Espírito Santo. Nos lembra, desde a introdução, que o florescimento dos frutos do projeto religioso que marcou presença em grande parte da região litorânea centro sul da Capitania, indo desde Santa Cruz até Itapemirim, era um conjunto de pequenas vilas que expressavam estereótipos que dominaram o imaginário europeu. Foi, para ele, a partir desses estereótipos construídos, que vários viajantes se interessaram em visitar a Capitania.

Terra de lugares inóspitos e morada dos famigerados botocudos, éramos depois de 400 anos ainda uma incógnita inserida entre as três maiores províncias brasileiras.

Uma das questões que mais instigaram os viajantes nesse novo olhar foi a dos indígenas, em especial aos então chamados Botocudos, por sua valentia e capacidade de luta. A grandiosidade de nossos vizinhos – Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro – nos ofuscaram durante séculos, mas os viajantes estrangeiros movidos pelo espírito cientificista do século XIX tinham muito o que estudar em terras capixabas, além dos índios. E foi justamente esse espírito que trouxe o Príncipe Maximiliano e o francês Auguste de Saint Hilaire até o Espírito Santo. Não foram só eles os que aqui vieram com um olhar mais apurado, mais antropológico, poderíamos dizer, mas o autor se dedica a eles, pela importância de seus relatos. Não sem antes situar o leitor do contexto que gerou tais e sua importância no país independente que estava nascendo.

Seguramente tinha importância estratégica para a Coroa Portuguesa transferida para o Brasil, o extermínio dos índios que chamavam de Botocudos. Eles foram construídos no imaginário português e no das elites brasileiras como povos atrasados e sanguinários. Exterminá-los era, nessa perspectiva, ampliar o processo civilizatório entre nós. Foi mesmo decretada uma guerra pelo Príncipe Regente. Portanto, conhecer melhor o inimigo, seu território e seus costumes era estratégia de afirmação europeia no Brasil. Por isso os relatos dos estrangeiros foram tão importantes.

E não eram viajantes quaisquer. Saint Hilaire, por exemplo, era um grande intelectual de seu tempo, como muito bem registra Bruno Nascimento. Possuía formação humanista, sustentada pelos grandes debates dos iluministas franceses e europeus de uma forma geral dos séculos XVII e XVIII. Além disso, era um especialista em botânica, tendo realizado coletas e pesquisas nessa área durante sua viagem ao Espírito Santo, como em todos os territórios brasileiros que visitou. Fez observações importantes da trajetória de sua viagem, sendo seus registros da máxima importância para a construção de uma ideia de passado dos capixabas. Não é por acaso que seus escritos são tão citados até hoje.

Mas, é no epílogo deste livro que o autor nos dá o que talvez seja sua maior contribuição a uma reflexão sobre o Espírito Santo e sua história. Ao invés de aceitar passivamente a tese da simples decadência da Capitania, ele mostra evidências de um espírito organizado e dinâmico entre nós. Convergindo sobre uma nova tendência no estudo da história brasileira, de entender melhor o que se passava no interior do Brasil e o que era de fato a tal agricultura de subsistência da qual falavam nossos grandes explicadores. Nisso o trabalho nos dá indicações importantes.

Apoiando-se em texto do grande historiador capixaba Fernando Achiamé, ele faz uma interessante especulação sobre a nossa própria sobrevivência como Capitania, Província e depois Estado Federado ao lado dos gigantes territoriais que nos cercam.

Tema instigante e que merece mesmo ser melhor compreendido pelos que estudam e pelos que amam o Espírito Santo. Assim, é grande a contribuição intelectual deste pequeno grande livro. Tenho certeza que os leitores gostarão tanto quanto eu.

 

João Gualberto

Secretário de Estado da Cultura

 

Prefácio

Houve um tempo em que livros sobre viajantes estrangeiros faziam muito sucesso. Corria os anos 1970 e a editora Itatiaia em parceria com a Edusp lançou várias traduções que se tornaram célebres e muito difundidas no Brasil. Sob a Ditadura e vivendo ainda a euforia ufanista e cívica disseminada pelo regime militar era curioso observar aquela busca pela identidade ou pela essência do chamado “Brasil profundo”, captado pela pena de cientistas, exploradores e viajantes que por aqui se aventuraram em séculos pretéritos.

A busca pelas origens, acrescida do interesse em saber como éramos vistos “de fora” ou sob “outros olhares”, era exercício poderoso de alteridade que, ao fim e ao cabo, revelou que não eles, mas nós é que éramos “os outros”. A perplexidade e a estranheza de encontrar naquelas imagens traços que ainda existiam no presente foi impactante. O Brasil seguia arcaico e atrasado. O reencontro das origens, de algum modo, mostrava que o presente não era muito diferente do passado. O país seguia com suas mazelas, sua rusticidade e seus males de formação. Repetia-se a constatação feita pelos próceres da geração de 1930, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior. Mas, de algum modo, toda miséria social e econômica contrastava com a grandiosidade da natureza. A verdadeira riqueza da nação estava, como sempre esteve, localizada na fauna e na flora exuberantes, que irrompiam em descrições poderosas nas narrativas daqueles viajantes que pareciam identificar o quanto éramos afortunados em nossa terra. O Brasil era, sem dúvida, o país do futuro. Explorar os tesouros escondidos nessa natureza e descobrir seus segredos deveriam ser a chave para o desenvolvimento material e cultural; uma verdadeira missão para os brasileiros. Aqueles estrangeiros tinham algo a nos ensinar. De todo modo, aquela leitura, com a abertura do regime e o início da Nova República, desbotou-se, afinal, destruía-se, velozmente, a natureza e o desenvolvimento não surgia.

Vieram os anos 1980 e 1990 e aqueles estudos sobre os viajantes continuaram, acentuando-se a existência de filtros e preconceitos que de algum modo inventavam um Brasil que não era exatamente o Brasil concreto. Negar a realidade, pelo menos no plano do discurso era a chave para dizer que nem tudo o que diziam aqueles estrangeiros era representação exata ou fiel ao real. Nos encontros e desencontros das imagens forjadas e sua relação com a auto-imagem que se criava do país, aprofundou-se a crítica aos relatos dos viajantes e, ao mesmo tempo, definiram-se contornos mais nítidos do que realmente havia sido o passado brasileiro diante do ritmo imperativo das mudanças vividas no país. O que antes parecia belo e vigoroso, agora escancarava vícios e incorreções. Era preciso reconduzir o país à rota da modernização em sintonia com o mundo globalizado. Assim, nem os estrangeiros viam melhor nossa terra, tampouco nós mesmos éramos capazes de a interpretar com precisão. As palavras e as coisas seguiam sua trajetória de estranhamento no descompasso dos tempos. Mas uma coisa era certa, nem tudo aqueles viajantes poderiam nos ensinar. Por algum tempo, entre os anos 2000 o interesse pelos viajantes estagnou-se.

No Espírito Santo coube a Levy Rocha, no início dos anos 1970, apresentar uma das melhores sínteses acerca dos viajantes estrangeiros que passaram pelas terras capixabas no século XIX. Estudo rigoroso que localizou nomes e trouxe à lume informações preciosas sobre o passado daquela província a partir do olhar dos viajantes que aqui estiveram. Ainda corria naqueles anos a interpretação corrente de que o Espírito Santo era o primo pobre da Federação. Estado tampão, barreira verde, terra que teria conhecido pouca prosperidade, cuja modernização era devida exclusivamente ao café ou à ferrovia; enfim o Espírito Santo era visto como um estado atrasado porque, como constataram alguns viajantes, era terra de grandes belezas naturais, mas de povo pouco empreendedor. No melhor dos casos, porque era atrapalhado pelos seus vizinhos. Essa narrativa grassava na imprensa, nos discursos políticos e em muitas obras produzidas. Aliás, ela ainda seduz e convence muitas pessoas, a despeito de sua incorreção.

Para nossa sorte, e partir de 2010 o estudo dos viajantes ganhou grande impulso no Espírito Santo, graças, sobretudo aos esforços do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo que estimulou a produção de pesquisas e a publicação de novos estudos e traduções. O livro que o leitor tem em mãos parece coroar esse processo. Ele é o resultado alvissareiro de variados esforços coletivos e do mérito individual de seu autor que realizou façanha considerável de pesquisa num curtíssimo espaço de tempo, cujo mérito foi reconhecido em premiação e escolha face a outros trabalhos em edital da Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo para publicação.

Esta obra de Bruno Nascimento é um convite para reavaliarmos o passado e a história do Espírito Santo. Fruto de uma pesquisa louvável realizada por um historiador jovem, provido de talentos quase renascentistas tanto no domínio das fontes quanto das máquinas e do tempo. Mas também, no manuseio dos textos e na produção das imagens. Um autor capaz de produzir livros, da tecla, à tela e desta até o offset. Neste livro primoroso, repleto de análises pontuais e de imagens belíssimas, temos a possibilidade de encontrar as raízes de nossa terra, produzido por um autor meticuloso e detalhista, que habilidosamente discute textos e contextos. Seus capítulos são um convite para mergulharmos novamente naquele passado capixaba tal como foi captado pelo naturalista francês Saint-Hilaire e pelo príncipe germânico Maximiliano. Nos labirintos entre o real e o imaginado, entre o passado e o presente, Bruno Nascimento nos conduz com segurança, apontando soluções bastante originais para a compreensão dos textos daqueles dois ilustres viajantes que passaram há dois séculos pelo Espírito Santo. Seu livro é capaz de nos reconduzir a problemas decisivos de nossa história, ao mesmo tempo em que nos apresenta novas reflexões sobre eventos emblemáticos. Sua leitura é um convite generoso para encontrarmos nestas narrativas de viagem histórias e informações pertinentes e, acima de tudo, encantadoras.

 

Julio Bentivoglio

Professor do Departamento de História

Universidade Federal do Espírito Santo

 

PRODUÇÃO

 

PAULO CESAR HARTUNG GOMES

Governador do Estado do Espírito Santo

 

CÉSAR ROBERTO COLNAGO

Vice-governador do Estado do Espírito Santo

 

JOÃO GUALBERTO MOREIRA VASCONCELLOS

Secretário de Estado da Cultura

 

RICARDO SAVACINI PANDOLFI

Subsecretário de Gestão Administrativa

 

CILMAR CESCONETTO FRANCESCHETTO

Diretor Geral do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

 

AUGUSTO CÉSAR GOBBI FRAGA

Diretor Técnico Administrativo


Conselho Editorial

Cilmar Franceschetto

João Gualberto Vasconcellos

José Antônio Martinuzzo

Michel Caldeira de Souza

Rita de Cássia Maia e Silva Costa

Sergio Oliveira Dias

Coordenação Editorial

Cilmar Franceschetto

Coordenação de Arte

Sergio Oliveira Dias

Revisão Ortográfica

Jória Scolforo

Projeto Gráfico e Capa

Alexandre Alves Matias

Agradecimentos

Grupo de Trabalho Paisagem Capixaba

Impressão e Acabamento

Gráfica Dossi

 

Fonte: Viagens à Capitania do Espírito Santo: 200 anos das expedições científicas de Maximiliano de Wied-Neuwied e Auguste SaintHilaire/ 2. ed. rev. amp. Vitória, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2018
Autor: Bruno César Nascimento
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2020

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