Abolição do tráfico de escravos
Simultaneamente com o sangradouro de vidas, que foram aquelas doenças, entrava na fase final, definitiva, a luta contra o tráfico marítimo de negros escravos.
A campanha – consoante com os anseios mais nobres da civilização, tinha para o Brasil significação especial, uma vez que implicava o cumprimento de compromissos internacionais, livremente assumidos – vinha pôr cobro, em momento inadiável, à pressão exercida pela Inglaterra contra o nefando comércio, inclusive nas águas territoriais brasileiras, até mesmo ferindo de frente a soberania nacional.
Não era menos exato, entretanto, que da África nos vinham os braços que supriam a lavoura, de vez que a imigração livre não atendia às necessidades do país.(16)
A vizinhança das províncias de Minas Gerais e Rio de Janeiro tornou o litoral do Espírito Santo uma das regiões mais visitadas pelos negreiros. Grandes eram, ao mesmo tempo, as próprias necessidades, decorrentes do aumento da lavoura cafeeira e da perda de escravos ceifados pelas epidemias. E mais: justamente naquela ocasião intensificava-se na Alemanha e na Suíça – os dois grandes fornecedores de colonos para o nosso país – tenaz campanha de crítica ao tratamento aqui dispensado aos imigrantes.
Mas o Império estava decidido a mostrar quanto valia: externamente, oferecendo ao mundo exemplo que foi apreciado e muito serviu para conquistar prestígio e respeito das demais nações; internamente – após as Revoluções – essa foi a oportunidade que teve para demonstrar a força das instituições.
A Eusébio de Queirós – então à frente da pasta da Justiça – coube a tarefa ingente de conduzir a grande batalha: no mar, contra os negreiros solertes; em terra, contra os grandes proprietários rurais, ou seja, o próprio sustentáculo do regime.
A leitura dos documentos dirigidos pela presidência da província ao operoso ministro dá pálida e comovida idéia do esforço que a cruzada exigiu do titular da Justiça. São dezenas e dezenas de avisos, cartas, ofícios, que vinham da Corte, recomendando providências, sugerindo diligências, incentivando a campanha.(17)
Os interessados na empresa sinistra tinham protetores poderosos, que, de terra, tudo faziam para facilitar o desembarque das peças. A zona sul da província foi a mais visada pelos negreiros, exigindo policiamento ativo, às vezes conjugado com unidades da Marinha de Guerra, em constante vigilância no mar. Contudo, a audácia dos contrabandistas era tamanha que suas embarcações de desembarque chegaram a operar nas proximidades de Vitória.
A vinte de janeiro de 1856, o Olinda, brigue-escuna de guerra brasileiro, aprisionava, na barra de S. Mateus, a escuna norte-americana Mary E. Smith. A bordo, trezentos e cinqüenta africanos.(18)
Anteriormente, o navio britânico Harpy surpreendeu contrabandistas nas proximidades de Guarapari, perseguindo-os porto adentro. A intromissão policial estrangeira nas águas territoriais do país foi repelida imediatamente por embarcações brasileiras, que atacaram os botes daquele navio inglês, afastando-os para alto-mar.(19)
Não obstante todo o empenho das autoridades, alguns barcos conseguiram burlar a vigilância, desembarcando negros boçais – para usarmos a expressão da época – nas praias capixabas.(20) Não é de estranhar que tal façanha tenha sido possível quando se sabe que até o barão de Itapemirim foi apontado como negociante de escravos e apaniguador de negreiros.(21)
NOTAS
(16) - PERDIGÃO MALHEIRO, A Escravidão, II, 61.
(17) - O resultado do esforço titânico daquele ministro se patenteia à vista dos seguintes algarismos relativos à importação de escravos pelo Brasil:
“1842..................................... 17.435 peças
1843...................................... 19.095 “
1844...................................... 22.849 “
1845...................................... 19.453 “
1846...................................... 50.324 “
1847...................................... 56.172 “
1848...................................... 60.000 “
1849...................................... 54.000 “
1850...................................... 23.000 “
1851...................................... 3.287 “
1852...................................... 700 “
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembléia Geral Legislativa pelo respectivo ministro e secretário de Estado Paulino José Soares de Sousa – Rio de Janeiro – 1853.
– “...em 1862 o insuspeito Ministro britânico Christie, partidário de atos de força, informava ao Foreign Office que o tráfico acabara por completo e seria impossível revivê-lo” (OLIVEIRA LIMA, O Império, 118-9).
(18) - Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 4.ª sessão da 9.ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado José Maria da Silva Paranhos – Rio de Janeiro – 1856.
– A presa do Mary E. Smith foi levada para a Bahia, informa o Relatório da Repartição dos Negócios da Justiça apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 4.ª sessão da 9.ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado José Tomás Nabuco de Araújo – Rio de Janeiro – 1856.
(19) - Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 3.ª sessão da 8.ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado Paulino José Soares de Sousa – Rio de Janeiro – 1851.
(20) - Entre onze de março de 1851 e primeiro de maio de 1852, foram apresadas, em águas capixabas, as seguintes embarcações: iate Sociedade Feliz, abandonado, em Itapemirim (conduzido para o porto de Vitória, foi queimado por ordem do Governo); palhabote Segundo, apreendido pelo delegado de Itapemirim (Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da oitava legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Justiça Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara – Rio de Janeiro – 1852).
– Em setembro de 1854, foi vista, nas proximidades de Itapemirim, uma embarcação suspeita. As autoridades locais puseram-se alerta e, cientificado do ocorrido, o presidente da província fez seguir para aquela região o brigue-escuna de guerra Xingu, então surto no porto de Vitória. Em Itabapoana, a embarcação foi apresada e, em seguida, mandada em paz, pois se verificou não ser um negreiro (Relatório com que o exmo. sr. dr. Sebastião Machado Nunes, presidente da província do Espírito Santo, abriu a sessão ordinária da respectiva Assembléia Legislativa no dia vinte e cinco de maio do corrente ano. – Vitória – 1855.)
(21) - Todas as afirmações contidas no item intitulado Abolição do tráfico, cujas fontes não foram indicadas anteriormente, são baseadas na correspondência ativa da presidência da província para o ministro da Justiça, existente no Arquivo Nacional.
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, novembro/2017
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