Minas do Castelo
Ao se iniciar a segunda metade do século XVIII, o ouvidor do Espírito Santo estabeleceu as minas do Castelo, provocando o ato, desde logo, a condenação do governo da Bahia. Entretanto, o intendente geral do Rio de Janeiro deu instruções para que prosseguissem os trabalhos da mineração, embora a região estivesse dentro dos limites da administração baiana.
Justificando seu ponto de vista, o conde de Atouguia endereçou ao ouvidor extensa missiva, na qual frisou o perigo que significava, para a segurança do país, a exploração de minas próximas à costa tão deficientemente fortificada. (I)
Venceu o ponto de vista do intendente carioca, pois, em 1758, o soberano ordenava ao governador do Rio de Janeiro desse parecer sobre o pedido dos oficiais da Câmara da vila de São Salvador de Campos, no sentido de se criar ali um posto de quintação e abrir um caminho para as minas.(7) Inspiraram aquela petição grandes perigos e dificuldades que sofriam quantos precisavam ir ao Rio de Janeiro levar ouro para ser quintado, viagem que vinham fazendo desde 1751, para atender às exigências do fisco.(8)
De qualquer maneira, era a penetração, a fixação do homem, embora precária, em uma faixa de terra que ficava além da orla marítima.
Caxixe, Arraial Velho, Salgado, Ribeirão(9) – povoações que tiveram a vida efêmera das minas circunvizinhas – não deixaram de si nenhum sinal, mas nem por isso podem ser esquecidas quando se trata de relembrar o esforço das gerações pela conquista do território pátrio.
NOTAS
(7) - Textos da representação, da ordem régia, do parecer do governador do Rio de Janeiro etc., in A Terra Goitacá, de ALBERTO LAMEGO, vol. II, p. 292-6. Todos de consulta indispensável a quem pretenda estudar o assunto.
(8) - “Certifico que desde primeiro de Agosto de 1751 até catorze de Julho de 1759, tem entrado nesta Casa da Moeda 246 marcos, duas onças e uma oitava e dezoito graos, extrahido nas minas do Castello, de cuja quantia se há tirado para S. Mag. 49 marcos, duas onças, uma oitava e 18 graos. Rio de Janeiro catorze de Julho de 1759. O escrivão da Casa da Moeda, Bento Luiz de Almeida” (apud LAMEGO, Terra Goitacá, II, 295).
(9) - PENA, História, 84.
(I) – “Alem das noticias que V. Mcê. agora nos participa dessas minas, sua situação e esperança de grandeza, como todas promettem no seu principio, há muito tempo que cá tem chegado varias informações dadas pelos seus antecessores e antes delles, pelos paulistas Pedro Bueno e Ignacio Alvares da Silva, que vendo-se opprimidos pelos seus credores e destituidos de meios para viver entre gentes, fugiram para esses mattos, onde andaram perigrinando muito tempo, até que por ultimo remédio tomaram o accordo de mandarem a esta cidade um emissario destrissimo com o invento de novas minas, para aliciar algumas pessoas incautas que levadas da ambição de riquezas, para lá foram com o que possuíam e cá não appareceram mais que duas ou tres perdidas, narrando como passaram enganos, miserias, soffrendo muitos trabalhos, em que vieram brotar as suas esperanças. As ultimas e mais modernas noticias que aqui chegaram, foram as que escreveu o padre Antonio Siqueira de Quental, conego da Sé do Rio de Janeiro, retirado no districto da villa de Guarapary, dessa comarca. Diz elle na sua informação que aquellas minas do Castello eram situadas nas cabeceiras do rio Itapemery, para a parte do norte, distante da barra para cima, seis ou oito dias de viagem, tres por terra e outros tantos por agua, que o terreno he tratavel e capaz de cultura e dali por húa picada se passa para o rio Doce, abundante de ouro, mas de travessia difficil, por causa do gentio feroz que só com muita força póde ser conquistado; de que o caminho que por ora se usa hé cercado de brejaes, porém que por outra parte se póde abrir entrada desempedida, pelo pé da serra de Guarapary, que tudo hé terra dura até o mar, capacissima de passarem tropas e todas as mais cousas que quizerem conduzir; que no rio Itapemery não podem entrar senão canôas e no de Guarapary, sumacas e pataxos pequenos, por ser estreito, ainda que fundo. Ultimamente adverte, que antes de tudo hé necessário fortificar de novo, aquella barra e reformar inteiramente o presidio e fortificação antigas da vila da Victoria.
Supposta por esta noticia, dada por quem deseja povoar e augmentar a terra em que habita, para o que tudo facilita e foi quem para o mesmo fim, deu conta a V. Mcê. por carta de catorze de Julho de 1750 de que tenho cópia, eu quero conceder, sem prejuizo da verdade, que pelo tempo adiante, depois de reduzidas as boas lavras, essas minas poderão produzir algumas conveniencias; mas, tambem devo suppôr a precisão das infalliveis e exhorbitantes despesas que por conta da Real Fazenda, se devem fazer em preparar aquellas necessarias e importantes fortificações e prudentemente considerar os inconvenientes que pódem resultar e depois sobrevir perniciosas consequencias difficeis de remediar e prevenir. Hé preciso lembrar que quase toda essa capitania do E. Santo está prolongada pela cósta do mar e para o sertão hé pouco ou nada povoada; a villa da Victoria que hé a sua capital e fica cobrindo todo este terreno, se acha situada junto á barra, por onde entra o mesmo mar e faz húa larga bahia capaz de receber a maior armada, pois tem a sua semelhança com a desta cidade.
Reconhece V. Mcê a indigencia dessa villa que está pouco fortificada e muito carecida de reforma, de guarnição e de tudo mais necessario para a defensa de qualquer invasão repentina, a que está exposta, sem ser promptamente soccorrida por mar nem por terra e por isso preciso que logo se lhe acuda e reduza a melhor estado de húa praça capital, bem munida para fazer cara e metter respeito ao inimigo. Será tambem preciso construir-se de novo e guarnecer húa boa fortaleza na barra de Guarapary, por onde se entra para aquellas minas, como bem adverte o seu informante padre Antonio de Siqueira Quental, na carta que escreveu a V. Mce. de que acima fallo. Tudo isto hé certo que carece de muito tempo, de muito dinheiro e muito socorro.
Estou persuadido que o rendimento do quinto do ouro que no decurso de cem annos se tirar dessas minas, não bastará para supprir tanto dispendio. Demais, considero, não ser terror panico, mas juizo prudente, deitar o sentido para o futuro, quando vejo que tanto reina a inveja e cobiça das nações estrangeiras á respeito das riquezas das conquistas.
Esses poucos moradores que habitam as terras da marinha, que pela maior parte hé pouco povoada, como hé toda a mais cósta do Brazil, tendo noticias de minas de ouro descobertas nas suas vizinhanças, naturalmente hão de propender a sahir por estas e desertar aquellas terras as quaes ficarão assim totalmente despovoadas de gente que as possa defender e em consequencia, virão a faltar os fructos por não haver quem se occupe na cultura dellas e, finalmente, chegarão todos aos extremos de perecer, por não terem mais mantimentos com que poder subsistir. Estas e outras reflexões que por brevidade procurei omittir, não são remotas como lá se quiz imaginar e se chegou a me mandar dizer por carta; porque se vae recordar do passado e de que se acha escripto e tenho presente, remetto a V. Mcê. A copia da resolução tomada pelo Sr. Rei D. Pedro II em nove de Julho de 1703, pela qual consta, subiram á alta mente daquelle monarcha, as mesmas ponderações a respeito dos primeiros descobrimentos das minas desta capitania e Bahia, que não tem analogia com as dessa comarca, quanto á distancia da marinha, como fica dito e hé certo que naquelle tempo, não tinham as nações estrangeiras concebido a maior inveja e cobiça das riquezas destas conquistas que então se ia explorando e descobrindo, do que agora que estão abertos tantos thesouros de ouro e pedras preciosas, com tão prodigiosa affluencia que causa admiração e suspensão a toda Europa, onde facilmente chega a noticia do que se passa ali e se tira e lá vae parar por meio do commercio e suas correspondencias repetidas. Sabem os que... as suas invasões.
Nos tempos das guerras que tivemos com a França, Castella e Holanda, se dermos credito ao que se acha escripto na Historia, os povos deste Estado, que esteve em perigo, fôram os que sentiram os mais bellicos estragos no decurso de muitos annos e não faltaram hostilidades e invasões nas praças e terras desta capitania e posto que estas, hoje, se achem mais engrandecidas, com a fama das riquezas, que V. Mcê. diz se póde tirar das suppostas minas, não estão mais augmentadas e guarnecidas de novas fortificações, nem ainda reformadas as antigas que se arruinaram com o tempo.
Cesso de escrever mais ponderações que podiam ocorrer, para não passar a ser extenso e só torno a repetir a V. Mcê. a conclusão principal – que sem expressa licença e approvação de S. Mag., se não póde abrir nem deixar trabalhar novas minas néssa capitania, por mais avantajada que seja a conveniencia que se espera. Se V. Mcê. confessa e eu sei que recorrêra a este governo geral, dando-lhe conta dessas minas e pedindo licença para as mandar abrir, sabe tambem que não teve resposta nem deferimento a sua supplica, como agora não tem, pois só pode fazêlo o Soberano. A esta instancia occorre a jurisprudencia de V. Mcê., três soluções que darei resposta. A 1.ª o tacito consentimento que tira de não se lhe responder logo, nem reprovar a sua proposta. Isto não só hé contra aquella regra de direito, que não admitte o tacito consentimento, naquillo que já estava antes expressamente prohibido, porque o não responder a impugnação do que se acha resoluto e determinado e ainda ao que se pretende de novo, hé modo de definir e excusar o requerimento; tambem se encontra com outra resolução do mesmo direito, que se não contenta com o consentimento e approvação tacita, quando a expréssa hé requisitada pela lei ou disposição prohibitiva.
A 2.ª utilidade commum dos moradores da terra, que tem buscado aquelle meio de vida. Esta razão não vem em consideração porque podem usar de outro meio licito e não prohibitivo.
A 3.ª e última, hé a ordem que V. Mcê. diz, recebêra do Intendente Geral do Rio de Janeiro, que suppõe, teria de S. Mag. Se isto só basta para abrir as minas, julgue-o a prudencia de V. Mcê. á vista daquella carta de S. Mag. e de haver V. Mcê recorrido, como subordinado, a este governo, onde não chegou ordem alguma a esse respeito. Se porém V. Mcê. julga com melhor accordo que seu sentimento hé mais acertado do que eu discordo, póde segui-lo, porque o primeiro aviso que lhe fiz e a que agora respondo, não importa preceito e não passa de méro conselho em que me alarguei, provocado pelo seu argumento e levado do zêlo de S. Mag. a quem dou conta do que neste particular entendo e do que escrevo a V. Mcê. em razão do meu cargo. Deus Guarde etc. Bahia de vinte de Abril de 1752. Vencesláo Pereira da Silva” (apud LAMEGO, Terra Goitacá, II, 287-91).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, junho/2018
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