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O Início da navegação no Rio Doce

Povoado de Linhares em 1819

D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, Senhor de Pancas e Coutins em Portugal, foi Ministro da Marinha e Negócios Ultramarinos do Reino no período de 1796 a 1801. Nessa época, na Europa, começava a brilhar a estrela de Napoleão Bonaparte e o Ministro “viu com olhos de lince o fracasso de Portugal” perante o corso e “preferiu renunciar o cargo”. Com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil em fins de 1807, veio também. No Brasil, ocupou a “pasta da Guerra, imprimindo surto renovador ao exército. Seu raro tino administrativo orientou nossas necessidades militares”, de tal maneira que em muito cresceu o conceito do exército colonial. “Ao seu descortino político, muito deve o Brasil e principalmente o nosso rio Doce, para quem olhou com especial carinho, mesmo antes de aqui chegar”. No ano de 1800, tomou posse como Governador da Capitania do Espírito Santo o senhor Antonio Pires da Silva Pontes. Amigo e protegido do Conde de Linhares, vinha, sob sua recomendação, com o firme propósito de abrir um caminho fluvial pelo rio Doce até Minas Gerais, iniciar a povoação de suas margens e criar destacamentos militares para proteger estas finalidades. O Corpo de Pedestres, com 300 soldados, foi criado ainda em 1800, e neste ano o Governador subiu pessoalmente o rio, fazendo um estudo, da foz à cachoeira das Escadinhas.

Estabeleceram-se então quartéis militares: a) na barra do rio, o de Regência Augusta, em homenagem a D. João, Príncipe Regente, mais tarde D. João VI; b) mais acima, à margem esquerda do rio, numa barranca em forma de meia lua, onde outrora os índios botocudos abriram uma clareira para dançarem e celebrarem suas festas, fundou um quartel ao qual deu o nome de Coutins; e ainda a Pancas e Porto do Souza, sendo estes três últimos nomeados em homenagem a D. Rodrigo de Souza Coutinho; d) fundou também outros dois: Lorena e Anádia.

Continuando seus esforços para incentivar a navegação, Silva Pontes publicou decreto pelo qual isentava de impostos as mercadorias que passassem pelo rio Doce. Parece, porém, que não cumpriu o decreto, uma vez que agentes de cobrança apareceram logo depois; mas não conseguiram grande resultado pois contraíram febres e morreram.

Além disso, o comércio sonhado por aquele Governador, e que muito poderia ajudar o desenvolvimento da região, não teve o sucesso esperado. Motivos variados são expostos por muitos escritores. Embora o rio fosse considerado oficialmente propício à navegação, usando-se “embarcações de fundo chato”, na prática, isso só era possível até a cachoeira das Escadinhas, a partir de onde teria que se faze rum longo percurso por terra até se poder usar o rio novamente. No Porto do Souza, atual Mascarenhas, não havia um estabelecimento comercial muito bem provido onde os moradores de Minas e Espírito Santo pudessem permutar produtos. E depois, a saída ou entrada pela foz do rio Doce era considerada perigosa, devido ao movimento constante das areias do fundo fluvial, mudando de lugar o canal que levaria as embarcações até o mar. No mais, o ataque constante dos botocudos espantava os menos afoitos e arrefecia o entusiasmo dos mais aventureiros.

Assim, em 1808, grupos de índios botocudos atacaram o Porto de Souza e, depois, arrasaram o quartel de Coutins, cujos soldados haviam subido o rio para acudir os primeiros. Estes ataques, somados a outros anteriores, determinaram o despacho de uma Carta Régia estabelecendo severas medidas contra os índios e a militarização de toda a Capitania para uma ativa perseguição aos “selvagens”.

Nessa época era Governador Geral Manoel Vieira de Albuquerque Tovar que, em 1809, recebeu ordens de realizar a militarização, reabrir a navegação no rio Doce e fazer correções na carta geográfica que Silva Pontes fizera. Tomando a si, pessoalmente, a execução dessas ordens, subiu Tovar o rio, “não hesitando em expor-se aos perigos desta incômoda viagem”, como já havia feito seu antecessor.

Então, em 1809, sobre os escombros do antigo Quartel Coutins, fundou Tovar uma povoação a que deu o nome de LINHARES, em homenagem novamente a D. Rodrigo de Souza Coutinho, que, nessa época, fora agraciado com o título de Conde de Linhares.

Tovar escreveu depois uma pequena exposição sobre sua viagem. Com otimismo, achou que a navegação no rio Doce era muito boa e sugeriu que na cachoeira das Escadinhas se fizesse uma espécie de “baldeação” das mercadorias. As que subissem o rio seriam ali permutadas, e depois, abrindo-se uma estrada margeando o rio até o Porto de Natividade – Aimorés atual - as mercadorias seriam conduzidas por bestas ou carroças até o interior das terras mineiras, voltando mais tarde pelo mesmo percurso. Seria assim incentivado sobremaneira um comércio, dizia ele, que traria imensos benefícios à agricultura das duas capitanias, aumentaria a população e poderia contribuir para uma rápida “civilização” dos índios.

Estas medidas, porém, demandavam em despesas que nem os cofres da capitania do Espírito Santo estavam sem condições de suprir e com que nem o governo da Metrópole resolvia arcar. Deste modo, nada se fez no seu governo, no sentido de tais empreendimentos; a navegação no rio Doce continuou – como se poderá constatar no desenvolvimento deste trabalho – a ser um problema sem solução por muitos e muitos anos, e os destacamentos militares, colocados ao longo do rio, mantiveram-se precariamente, não conseguindo, de fato, uma convivência ideal com os indígenas.

 

Fonte: Panorama Histórico de Linhares, 1982
Autora: Maria Lúcia Grossi Zunti
Compilaçâo: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2012 

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