Revista Vida Capichaba
Professor, advogado e jornalista, Manoel Lopes Pimenta era partidário das idéias aliancistas e um dos sócios da prestigiosa revista Vida Capichaba, por ele fundada em 1923 junto com Elpídio Pimentel e outros. Alegando motivos particulares, Pimentel se afasta da direção do periódico no início de abril de 1930, ficando o sócio em seu lugar. Tal gesto possibilitou que a revista continuasse existindo, com o devido patrocínio oficial. Chegou a divulgar matéria intitulada “Justa solidariedade”, de apoio da Mirabeau Pimentel devido ao Massacre do 13 de Fevereiro, e estampava em suas páginas seguidas reportagens de cunho favorável ao governo estadual que seria deposto meses depois. Com a vitória do Movimento de 30, Pimenta volta ao seu posto de diretor da Vida Capichaba, dele saindo o agora ex-sócio Elpídio Pimentel. Assim foi feita a transição entre o velho e o novo regime político nesse importante “partido” gramsciano. E a revista continuou bem cotada... pelo novo governo “revolucionário”.
A partir de novembro de 1930, e durante alguns meses, Vida Capichaba faz a propaganda d “tributo da redenção”, destinado a “arrecadar donativos para o resgate da dívida do nosso Estado”. A revista considera que
"os espírito-santenses natos e todos aqueles que se acham unidos a esta terra pelos laços do coração ou espírito, sem distinção de credo político, dão com isso o mais dignificante exemplo de civismo (...) nesse momento de renascença nacional. (E termina conclamando): Na medida das posses de cada um, concorramos todos para a restauração das nossas finanças. A Vida Capichaba, a começar deste número, contribui com 5% do produto da sua venda avulsa para o “tributo da redenção”, durante o tempo que se fizer preciso."
(Vida Capichaba, n. 250, 23 nov. 1930)
A iniciativa revela a extrema preocupação das novas autoridades, tanto no plano federal quanto no estadual, no que diz respeito à crise econômico-financeira vivida pelo país. Mas, sobretudo, demonstra o importante papel que um órgão de imprensa podia exercer no sentido de mobilizar a sociedade para as duras medidas de contenção de despesas que deveriam ser implantadas pelas novas autoridades. O “tributo da redenção” não deu em nada, naturalmente. Sua arrecadação deve ter sido ínfima e, alguns meses depois de lançada a campanha, não se falava mais nela. Contudo, ficou provada a capacidade da revista de colocar-se em sintonia com os novos tempos e seus governantes, com estes logo estabelecendo laços de recíproco interesse – o governo estadual continua a subvencionar direta ou indiretamente a publicação que, em troca, oferece o seu apoio total às novas medidas, muitas de gosto amargo, que precisariam ser tomadas.
A Vida Capichaba, existente desde 1923, já era um periódico com extensa folha de serviços prestados à cultura e à comunicação no estado. Sua circulação atingia todo o interior do Espírito Santo e zonas de sua imediata influência, como cidades no leste de Minas e no norte do estado do Rio de Janeiro. Uma característica de sua edição – aliás, comum àquele tempo – era a mistura de anúncios, fotos de assinantes, artigos de fundo, reportagens fotográficas, notícias sociais, tudo isso estampado sobre uma colagem de muitas colaborações literárias, que incluíam pessoas já conhecidas e escritores iniciantes. A revista sempre estava aberta para receber as primícias literárias de figuras que depois ficaram conhecidas por um grande público, como Almeida Cousin, Alvimar Silva, os irmãos Newton e Rubem Braga, Levy Rocha, Haydée Nicolussi, Lídia Besouchet e muitos mais. Sem contar as vocações literárias que, depois de reveladas, se restringiam ao âmbito estadual ou foram desviadas para a produção jurídica ou de circunstância.
A circulação de Vida Capichaba devia ser em torno de mil exemplares, entre assinantes e venda avulsa. Embora o dado não seja plenamente confiável, pode-se deduzir que a venda avulsa do número 250 de 13 de novembro de 1930 tenha sido de 400 exemplares, pois no número seguinte do periódico está anunciado que a quantia de 20$000 está à disposição da Comissão Central que angariava donativos do “tributo da redenção”, correspondente a 5% do preço do exemplar, que é de 1$000. A periodicidade da revista variou: no começo era quinzenal, depois passa a semanal e, a partir de janeiro de 1931, volta a ser quinzenal; no período final de sua existência ela circula mensalmente.
O periódico abordava os assuntos de modo mais descompromissado com a novidade de notícia ou com o impacto de polêmicas jornalísticas; revia os fatos e acontecimentos numa perspectiva mais superficial. No pequeno burgo que era Vitória nos anos 1930 nada de importante lhe escapava: nascimentos, educação, etc. – e, sobretudo, política e esporte que, por sinal, já se encontravam numa fase de interesses recíprocos. Exemplo desse envolvimento da política com o esporte é o fato de que o presidente do Clube Saldanha da Gama – uma das mais importantes agremiações do estado no final da década de 1920 e início da seguinte – era, no mesmo período, José Pedro Aboudib, deputado federal no final da Primeira República e vereador na Câmara de Vitória em 1935. Depois de adquirir e reformar as antigas instalações do Cassino Trianon, o Clube Saldanha da Gama inaugura sua nova sede em 16 de novembro de 1930. Entre as práticas desportivas em que se distinguia, destacava-se o remo – a regata sendo uma modalidade esportiva de grande sucesso na Vitória de então.
As informações veiculadas na Vida Capichaba estavam divididas em cinco blocos principais: colaborações literárias, que ocupavam amplo espaço; anúncios, que variavam de pequenos reclames até clichês de página inteira; artigos com informações diversas; seções fixas, como a de registros sociais; e reportagens fotográficas. Essas, especificamente, é que nos interessam. Poderiam tratar de muitos assuntos: esportes (o futebol já em destaque), vida social, aspectos pitorescos sobre o Espírito Santo, empreendimentos comerciais e industriais e outros temas. Mas predominavam as reportagens fotográficas abordando temas de interesse do governo ou eventos em que os protagonistas eram autoridades e políticos de destaque, quase sempre da situação. As reportagens fotográficas eram encimadas por títulos sugestivos e geralmente possuíam legendas para complementar as informações que convinha destacar. Tinham grande impacto num mundo já acostumado ao cinema falado, em que a fotografia assumia cada vez maior lugar na divulgação dos feitos de repercussão social. Essas reportagens podiam ser apreendidas facilmente por analfabetos ou por quem tinha dificuldade ou não gostava de ler. As fotos eram recortadas, guardadas, e os números da revista passavam de mão em mão, durante algum tempo após editados. Já sabemos que os clichês eram caros e feitos no Rio de Janeiro e, assim, temos a veiculação de um mesmo clichê em diversos órgãos da imprensa e mesmo em épocas diferentes, quando um clichê mais antigo era aproveitado (às vezes, recortado) para ilustrar matéria sobre o mesmo tema ou com a mesma personalidade.
No que se refere à questões de ordem política, as reportagens fotográficas da Vida Capichaba eram de uma eficiência a toda prova. As fotos eram quase um relato oficial do ocorrido – se não tivesse saído na revista, não acontecera na realidade. A cobertura de atos oficiais e de propaganda das realizações governamentais era uma constante. Desde a inauguração de uma praça pela Prefeitura de Vitória, o registro de pequena melhoria em município do interior, ou visita de autoridades, até atos solenes de início de obras e assinatura de contratos. Enfim, manifestações populares, festas da elite, tudo que pudesse divulgar o mundo político num enfoque vantajoso para o governo. As fotos e ilustrações da revista marcavam a difusão da ideologia vigente, como nos ensina Gramsci, preocupado com estudos que envolvam a organização
"material destinada a manter, defender, o front teórico e ideológico. O componente mais importante e mais dinâmico desta (estrutura) é a imprensa em geral: casas editoriais (que têm um programa implícito ou explícito e se vinculam a uma determinada corrente), jornais políticos, revistas de todo o gênero, literárias, científicas, filológicas, de divulgação, etc. A imprensa é a parte mais dinâmica dessa estrutura, mas não é a única, tudo aquilo que influa ou possa influir sobre a opinião pública direta ou indiretamente lhe pertence: as bibliotecas, as escolas, os círculos e clubes de vários gêneros, até a arquitetura, as disposições das ruas e suas denominações."
Gramsci, A. Quaderni Del cárcere. Torino: G. Einaudi Ed., 1975, p.332-333 apud Diehl (1998:147)
A foto mostra a ação da revista no campo político. Estampada na capa, uma alegoria do que seria o estado do Espírito Santo desejado por suas elites políticas. Um cidadão trabalhando e confiando sempre, dentro do universo brasileiro de ordem e progresso, contribuindo para o engrandecimento da federação com sua produção cafeeira, tendo as indústrias num horizonte longínquo, como que apagadas no fundo, pois em primeiro plano, junto com o trabalhador-estado e seu ramo de café erguido na mão, vemos a representação da floresta capixaba, que deveria prioritariamente ser conquistada e dominada.
O destaque da divisa “trabalha e confia”, inscrita na bandeira estadual, naturalmente não fazia mais referência direta à sua origem jesuítica, de Inácio de Loiola: “Trabalha como se tudo dependesse de ti, e confia como se tudo dependesse de Deus”. A Transmudação do seu significado poderia ser para algo como: “Trabalha como se tudo dependesse do trabalho, e confia como se tudo dependesse do governo”.
Fonte: O Espírito Santo na Era Vargas (1930-1937) – Elites Políticas e reformismo autoritário. 2010
Autor: Fernando Achiamé
Autor: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2011
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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