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Os ossos de Palácios – Por Maria Stella de Novaes

Início da catequese, Frei Pedro Palácios, o nicho do painel, a gruta e os catecúmenos

Fato comovente, nos registros da Penha foi, sem dúvida, a romaria dos jesuítas Inácio de Tolosa, Luiz da Grã e outros companheiros, em 1573. Foram agradecer a Nossa Senhora da Penha o salvamento de suas vidas, no naufrágio do navio, na foz do Rio Doce. Haviam partido de Vitória, a 28 de Abril. Impossibilitados de prosseguir a viagem, regressaram àquele porto e esperaram, cinco meses, a construção de outro transporte.

Em 1584, realizou-se nova romaria de sacerdotes jesuítas, que viajavam para, com o Visitador Cristóvão de Gouvêa, percorrer a missões da Companhia, no Brasil. Saíram de Lisboa, a 5 de Março de 1583. Chegaram à Bahia, em 9 do Maio do mesmo ano. A 14 de Novembro de 1584, partiram para o Sul e, em conseqüência do mau tempo, somente a 21, aportaram ao Espírito Santo. Tiveram, em Vitória, festiva recepção, descrita, minuciosamente, no "Tratados da Terra e Gente do Brasil".

Foram à Penha.

Dessa romagem, então indispensável aos visitantes da Capitania, o nomeado cronista e ilustre jesuíta. Fernão Cardim deixou o seguinte relato: — Na barra deste porto está a ermida de Nossa Senhora, chamada Pena, e certo que representa a Senhora da Pena de Sintra, por estar fundada sobre altíssima rocha de grande vista para o mar e para a terra. A capela é de abóboda pequena, mas de obra graciosa e bem acabada. Aqui fomos em romaria, dia de Santo André, e todos dissemos missa com muita consolação, e V. Ra, foi bem encomendado à Senhora, com toda a Província, o que também fazíamos em as mais romarias e, continuamente em nossos sacrifícios, e eu sou o que ganho pela consolação que tenho com tal lembrança; pois a devo a V. Ra, e aos mais padres e irmãos dessa Província, por tantas vias. Este dia nos agasalhou o Sr. Governador com muita caridade".

Passado algum tempo, desejoso de incrementar a religião católica, no Espírito Santo, o segundo donatário, Vasco Fernandes Coutinho Filho, pediu ao Custódio, na Bahia, Frei Sebastião de Santa Catarina que mandasse religiosos para sua Capitania. Morreu, porém, a 5 de Maio de 1589, antes que se realizasse tão piedosa aspiração. Mas, a Sra. Luíza Grimaldi, sua viúva e substituta no governo, o Capitão Miguel de Azeredo, adjunto da Governadora, o vigário e ouvidor na Vara, Pe. Francisco Pinto, Marcos de Azeredo e outras pessoas distintas receberam festivamente os dois sacerdotes Franciscanos, que chegaram a Vitória, em Novembro do mesmo ano, — Frei Antônio dos Mártires e Frei Antônio das Chagas.

Tratava-se de certo, do primeiro passo para o estabelecimento de um cenóbio, na Capitania. Vieram os referidos religiosos examinar as condições do novo meio que se lhes oferecia para o trabalho da salvação das almas. Hospedaram-se na casa de Marcos de Azeredo. Regressaram a Olinda, dois meses depois, e levaram informações favoráveis ao estabelecimento da Ordem no Espírito Santo.

Vieram, por isso, definitivamente, em fins de 1590, e chegaram a Vitória, em Janeiro de 1591. Estabeleceram-se nessa Vila. Decidiram, então, as autoridades da Capitania entregar-lhes a Ermida das Palmeiras. Devidamente autorizados pelo Custódio da Ordem, aceitaram essa preciosa dádiva, cuja escritura foi assinada, a 6 de Dezembro do mesmo ano.

Constitui essa resolução da Governadora Luíza Grimaldi mais um feito notável da sua esclarecida e prudente administração.

Foi o documento apresentado ao administrador Eclesiástico Bartolomeu Simões Pereira, no Rio de Janeiro, a 7 de Março de 1592, para a devida confirmação, que, de fato, se verificou. Extinguiu-se, então, a Confraria de Nossa Senhora da Penha, já referida, neste pequeno relato.

O Administrador Eclesiástico residiu, algum tempo, no Espírito Santo; mas faleceu no Rio de Janeiro, em 1603.

Pungidos ainda pela recordação de haver partido para a Eternidade e o seráfico enviado de Maria, o paladino do seu culto, nas plagas espírito-santenses, carpiram os colonizadores outro golpe assás doloroso: a 9 de Junho de 1597, falecia, no interior da Capitania o Pe. José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil, conforme o panegírico do Administrador Simões Pereira, então, residente no Espírito Santo. Recolhemos a notícia — uma tradição verbal, de que os índios, seus filhos espirituais inconsoláveis, transportaram o seu, cadáver para Vitória e, na passagem pela Vila do Espírito Santo, chegaram à Ermida das Palmeiras, esperançosos talvez de um milagre da ressureição!

Pelo que temos encontrado, em relação à Penha e ao Pe. Anchieta, parece que, nesse ponto, há confusão. Existia o Cais da Penha, onde atracavam as embarcações para o transporte, de Vila Velha até Vitória. De certo, vindo de Benevente, conduzindo o esquife do santo jesuíta, os índios chegaram ao Cais. Ali, tomaram a passagem para a Ilha. O povo sempre imaginoso, estendeu o itinerário ao Santuário.

Decorreram anos silenciosos, em relação à capelinha da Penha, até que a Vila do Espírito Santo abalou-se, perante a notícia de que Frei Leonardo de Jesus, Custódio da Ordem, na Bahia, determinara ao Guardião do Convento de São Francisco, Frei Antônio da Estrela que trasladasse para Vitória os ossos de Frei Pedro Palácios, a fim de perpetuar-se, na memória dos cristãos, a lembrança edificante dos seus exemplos.

Choraram os habitantes de Vila Velha. Protestaram contra a retirada injusta de sua preciosa relíquia.

Choraram!... E chorando, acompanharam, alanceados, o cortejo piedoso da trasladação para o túmulo de pedra lavrada, no São Francisco, à semelhança do que se fez, em Roma, com os santos mártires, no altar da igreja de São Cosme e São Damião. Pedro Palácios teria, assim, para suas relíquias, o mesmo escrínio que Marcos, Marcelino, Tranquilino e outros heróis da Fé.

Seguia-se, portanto, nesta Capitania tão distante da Itália, o exemplo do que se passara na Cidade Eterna. Da Ilíria e da Dalmácia, o Papa João IV removera, para a capela de Latrão, os despojos de Venâncio, Anastácio e Mauro. Paulo I o mesmo fizera com a venerável Petronilha.

Toda essa legião valorosa derramara o sangue em testemunho da Fé; Pedro Palácios extinguira-se, exangue do trabalho e do sacrifício, pela florescência dessa mesma sublime virtude que realizara, no Espírito Santo, não apenas o "transpor montanhas", porém, obra mais vultosa e perene: — a implantação de uma fortaleza irredutível da Fé, no pináculo de um alcantil!

Aberta a sepultura, a 18 de Fevereiro de 1609, pelo Guardião e outros religiosos, em presença do povo, ali estavam um pedaço de cordão e outro do manto, que foram recolhidos, entre lágrimas e saudade, pelos antigos amigos do asceta. Estavam igualmente limpos os ossos; o crânio, com os miolos secos e incorruptos.

Formou-se, depois o préstito solene e doloroso, até Vitória, durante o qual todos desejavam tocar na urna conduzida, aos ombros dos principais, do povo, com numeroso concurso de ambas as vilas, entre muitas luzes e cânticos sagrados. E conta-se que se restabeleceram os doentes que tiveram contato com os preciosos despojos, sendo assim privilegiados Frei João dos Anjos, Duarte de Albuquerque e uma filha de Lourenço Afonso.

— Quem não desejaria uma relíquia de Frei Pedro Palácios? Uma partícula dos seus ossos, um retalho do manto?

Na capela de São Boaventura, no Convento de São Francisco, até 1924, quando se iniciaram as obras do Orfanato Cristo Rei, existia, encravada na parede, a sepultura do anacoreta de Maria. Culpa-se ao Pe. Leandro del Uomo a destruição desse inestimável relicário. Devemos entretanto ponderar que se tratava de um sacerdote estrangeiro, alheio à história e às tradições do Espírito Santo . Existiam, porém, autoridades eclesiásticas e civis, que permitiram a demolição desse verdadeiro marco do passado, quando lhes cumpria o dever de preservar da destruição o patrimônio histórico, religioso ou profano, da cidade.

Prosseguiram, ardorosos, os franciscanos, em suas construções, na Vitória, quando, em 1616, a Ordem recebeu a notícia de que havia o Custódio Frei Vicente do Salvador instado junto ao Administrador da Prelazia do Rio de Janeiro, Rmo. Dr. Mateus da Costa Aborim, para que se inquirisse da vida e dos costumes de Frei Pedro Palácios, a fim de promover-se, em Roma, sua canonização. Instaurado o processo, a 27 de Julho de 1616, em Vitória, depuseram, como testemunhas, Amador de Freitas, Nuno Lima, Nicolau Afonso, Gomes d'Avila e André Gomes. Funcionou, no processo, o escrivão Gonçalo Mendes da Costa.

 

Fonte: O Relicário de um povo – O Santuário de Nossa Senhora da Penha, 2ª edição, 1958
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2016

Convento da Penha

Processo de canonização de Frei Pedro Palácios

Processo de canonização de Frei Pedro Palácios

Todos os habitantes das vilas do Espírito Santo e da Vitória, uns pelo conhecimento pessoal, outros pela tradição, porfiavam em depor; mas só era preciso o juramento de algumas testemunhas entre os homens mais qualificados.

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