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Viajantes Estrangeiros ao ES – Wied, Freyreiss e Sellow

O prussiano Grigory Ivanovitch Langsdorff contribuiu, e muito, para facilitar o estudo das nossas flora e fauna. Veio para o Rio de Janeiro em 1813, como Cônsul-Geral da Rússia, e permaneceu na Corte cerca de sete anos. Realizou algumas viagens científicas a Minas e São Paulo, e uma a Mato Grosso, das quais tomaram parte cientistas de renome mundial, tais como, os botânicos, Liidwig Riedel e Saint-Hilaire, e os zoólogos, Eduardo Menetrier e Christien Hasse. Foi proprietário da fazenda MANDIOCA, na raiz da serra da Estrela, distrito de Inhomirim, onde recebeu os mais importantes naturalistas que nos visitaram naquela época. Um deles, Frederico Sellow (nascido a 12 de março de 1789, em Potsdam, Alemanha), passou o primeiro ano em que chegou ao Brasil (1814) aprendendo o português e coletando material nas proximidades da Corte e da província do Rio de Janeiro. Apoiado financeiramente pelo Barão de Langsdorff, ele ganhou ânimo para organizar um programa de viagem ao norte do país, com regresso na direção do distrito diamantífero de Minas Gerais e descendo o Rio São Francisco, até alcançar o litoral.

No fim de agosto de 1813, após uma viagem marítima de nove meses, vindo de São Petersburgo, chegava ao Rio George Guilherme Freyreiss, enviado ao nosso país como ajudante e preparador do Barão de Langsdorff. O Barão de Eschwege, colega de Universidade de Langsdorff, levou Freyreiss em sua companhia, na viagem empreendida rumo ao território mineiro, a fim de recolher observações sobre os índios coroados e puris do Presídio (atual Visconde Rio Branco).

Freyreiss procurou associar-se a Sellow, que estava melhor familiarizado com a língua e os costumes do país. Conseguiram facilidades de trânsito; cartas de recomendação e o título de NATURALISTA SUBVENCIONADO que lhes conferiu D. João VI, desfrutando o ordenado de, aproximadamente, quatrocentos mil réis mensais. Tais proventos Sellow viu aumentados, em 1821, para seiscentos mil réis e foram conservados até sua morte.

Pouco antes de iniciarem excursão pelas províncias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, chegou à Corte, em meados de junho de 1815, Maximiliano Alexandre Philipp, Prinz von Wied-Neuwied, (nascido em 1782, na cidade cujo nome adotou), usando o pseudônimo de M. von Brandenburg. Desejoso, igualmente, de viajar pelo interior do Brasil, foi fácil de se entender com os dois colegas naturalistas, na residência do Barão de Langsdorff, recebendo convite para incorporar-se àquela comitiva.

O Príncipe Maximiliano contava com a ajuda do botocudo civilizado Queck, que docilmente o seguiu, no decorrer de toda a viagem, acabando por ser levado para a Alemanha.

Por sua vez, Freyreiss levava o índio caiapó Francisco, um rapagote hábil caçador que sabia manejar tão bem o arco e a flecha quanto a espingarda.

Freyreiss, que nascera em Francfort-sôbre-o-Meno, a 12 de julho de 1789, era zoólogo e experimentado ornitólogo. Ele engendrou um processo de secar as aves numa lata de flandres que mereceu elogios do Príncipe Maximiliano de Neuwied. A sua bagagem científica não se fez muito volumosa: além de outros escritos, publicou um trabalho na Alemanha, no ano de 1824, que até alguns anos atrás ainda não era traduzido para o vernáculo.

Sellow não deixou um relato do seu itinerário em livro. Só muito tarde, já em nossos dias, os mais importantes elementos de sua vida de zoólogo, mineralogista e, sobretudo, botânico, foram divulgados. As ricas coleções do seu herbário serviram aos estudos de Martius na monumental obra: FLORA BRASILIENSIS, de quarenta volumes, nos quais se descrevem quase vinte mil espécies brasileiras.

Munindo-se de uma câmara clara de Wollaston (a precursora da máquina fotográfica), Sellow fazia primorosos desenhos, a bico de pena ou aquarela, havendo cedido, dos doze que teria executado nessa viagem, três ao Príncipe Maximiliano. E o Príncipe os reproduziu no seu relato: REISE NACH BRASILIEN — (1820-21), só vertido para o português cento e vinte anos depois. A existência, ainda, de alguns originais desses desenhos, foi-nos revelada graças à exposição dos originais de Neuwied pertencentes à família e sob a guarda do Instituto de Coblença.

No transcurso da viagem, em diversas ocasiões, o Príncipe Maximiliano acatou a opinião do jovem botânico que se afoitava, por vezes, lamaçal a dentro, enterrando-se a considerável fundura, nos brejais, para alcançar uma planta.

Em página do seu diário, Sellow fixou bem o por que diversificava sua atividade científica: "O botânico — diz ele para poder dar conta da procedência, porte, colorido das flores, é forçado a ir buscar o seu material pessoalmente. Por isto luta sempre com maiores dificuldades do que o zoólogo. Nem sempre, quando descobre uma planta interessante, a encontra em flor e quando com flores, verifica muitas vezes que não bastam para lhe fornecer os elementos necessários para a classificação e outro tanto, dá-se com maior freqüência, quando depara com alguma em frutificação. Outras vezes, precisa dispender um dia inteiro para abater uma árvore gigantesca porque ela expõe as suas flores numa altura intangível e quando, enfim, cai, a vê enganchada em outra e nulificado assim todo o seu penoso trabalho. O que mais o compunge é verificar haver destruído um belo espécime da floresta sem proveito algum. Mas mesmo quando tudo corre bem e bastante material pode ser colhido, há a considerar as penosas lides necessárias para a secagem dos espécimes. E quando isto tem de ser feito numa época em que dias chuvosos se sucedem, ou ainda quando tal serviço precisa ser levado a efeito numa sombria e úmida floresta, então chegará algumas vezes a desesperar. O zoólogo, ao contrário, tem a sua tarefa facilitada; ele acampa em determinado ponto, manda seus camaradas caçar e limita-se a selecionar aquilo que lhe trazem e ao trabalho de taxidermia, quando se trata de mamíferos ou aves; os peixes menores, vermes, répteis e insetos, prepara no álcool ou em soluções próprias. Tudo que lhe trazem é sempre aproveitável, bastará para fornecer os elementos indispensáveis para a classificação. E confessemos: é sempre muito mais fácil conseguir um bom caçador de animais do que um camarada prático na colheita de plantas para herbários. Mas, muito mais fácil do que a colheita de plantas ou de animais, é a colheita de minerais. Na operação do transporte tudo isto se apresenta, entretanto, justamente ao contrário. Os minerais para serem transportados requerem muito maior número de animais de carga do que os espécimes de zoologia; e estes, por seu turno, sempre pedem ainda pelo menos o triplo do espaço nas malas que se faz necessário para os espécimes de herbário".

Precisamente, a 4 de agosto de 1815, os excursionistas partiam de São Cristóvão. Contrataram dez homens, entre tropeiros e caçadores e levaram uma tropa de dezesseis muares. Passaram a baía embarcados e no dia 6 punham-se em marcha através da província do Rio de Janeiro seguindo, mais ou menos, até Vitória, o caminho que trilhavam os estafetas do Correio.

Quando a comitiva chegou à Vila de São Salvador dos Campos dos Goitacás, leu os primeiros jornais, desde que partira do Rio. Noticiavam a derrota de Napoleão, em Waterloo, recebida com júbilo pelos habitantes da vila. Prosseguiram até a missão de São Fidelis, fundada por capuchinhos italianos, para visitarem os índios coroados, coropos e puris.

A baixa estatura e a robustez do índio puri, sua nudez a cabeça toda raspada, de alguns, os cabelos naturais, grossos e negros, cortados sobre os olhos e caindo dos lados no pescoço, a barba e a sobrancelha raspadas rente, as manchas redondas de urucu na testa e nas faces, as listras azuis no peito e braços, pintados com a seiva do jenipapo verde, os colares de grãos negros, ao pescoço ou a tiracolo, com presas de macacos, onças e outros animais, tudo isso havia de impressionar vivamente os três naturalistas. As mulheres puris, na maioria em completa nudez, carregavam os filhos nas costas, suspensos por faixas largas passadas pela testa ou presas ao ombro direito. Tinham os punhos e os quadris amarrados fortemente, enfaixados, a fim de torná-los menores e mais elegantes. Suas choças eram muito primitivas; mal abrigavam a rede de dormir, suspensa entre dois troncos de árvores.

Freyreiss queria comprar um indiozinho e ofereceu diversos artigos: uma camisa, duas facas, um lenço, colares de contas de vidro colorido e alguns pequenos espelhos. Mereceu a desaprovação das mulheres, mas o negócio se fechou, com a aquiescência do velho chefe da família. Indiferente, o menino seguiu o naturalista e montou alegremente à sua garupa.

A expedição voltou à vila de Campos, para prosseguir o itinerário no dia 20 de novembro. Desceram, os excursionistas, o rio Paraíba até à Vila de São João da Barra, ficando hospedados na Casa da Câmara. Tomando a dianteira da tropa, os três companheiros foram encontrar o Correio que vinha da Corte, na fazenda MANDINGA, isolada na praia, e receberam correspondência.

Com mais um dia de viagem, seguindo pela praia, alcançavam a grande fazenda de MURIBECA, ou MUROBECA (MORO-PECO-lugar farto), outrora a maior e mais importante fazenda dos Jesuítas, no Espírito Santo. Então, pertencia a quatro sócios e as suas terras se estendiam a quase dez léguas em quadro. Possuía um engenho de açúcar e abundância de gado. Quando da expulsão dos Jesuítas, aquela rica propriedade quase entrou em decadência. Suas terras sofreram demandas e as repetidas incursões dos índios foram muito ruinosas. Dos trezentos escravos negros de MURIBECA, não se apuravam mais de cinqüenta capazes para o trabalho, na opinião do Príncipe. Eram dirigidos por um feitor português e derribavam a mata para plantar cereais, inclusive um pouco de café.

As florestas que cercavam MURIBECA eram dominadas por puris nômades e hostis, a mesma tribo de índios que se mantinham amistosos na missão visitada, de São Fidélis. Segundo notícia, no mês de agosto (que antecedera aquela viagem) os índios atacaram a fazenda; mataram trinta bois, um cavalo e um moleque cujo corpo mutilaram na sanha canibal.

Os naturalistas subiram, em canoa, um trecho do rio Itabapoana. Freyreiss e Sellow se divertiram com um grande bando de lontras que caçavam em mergulhos, adiante deles.

Ao deixarem MURIBECA, o feitor acompanhou a comitiva até o Quartel ou Destacamento das Barreiras do Siri, que ficava defronte à ilha das Andorinhas. Bem armados com vinte peças, os homens iam observando, no mato, os rastros de antas e veados e se mantinham muito atentos contra alguma surpresa dos índios.

Perto duma alta cruz de madeira, a lendária cruz da Muribeca, do tempo dos Jesuítas, alcançavam a praia.

Quando, do Quartel da Boa-Vista, foi avistada a caravana, seis soldados vieram ao seu encontro, como medida de segurança, costumeira. Ao meio dia, chegavam ao Quartel, que tinha uma guarnição de vinte soldados, mais o alferes Comandante, que os recebeu.

No altiplano, frente ao mar, havia duas casas de barro, rodeadas por um roçado de milho e mandioca. A casa do oficial era espaçosa, com vários quartos pobremente mobiliados. O teto, cheio de goteiras, deixava passar a chuva. Esse Quartel, conhecido dos mais antigos como Barreira Criminosa, por ter sido o local onde os tapuias feriram gravemente a Antônio do Prado, sertanista de São Paulo, tornou-se também famoso devido a outra ocorrência histórica: foi o berço de nascimento, a 9 de maio de 1781, de Domingos José Martins, filho primogênito do Oficial de 1ª Linha — Joaquim José Martins que, naquela época, comandava o Quartel. Por coincidência, quando o Príncipe Maximiliano chegou à Bahia, irrompeu a Revolução Nativista Pernambucana e na ocasião, o herói capixaba foi compor a junta do governo provisório, representando o Comércio. Tais ocorrências malogradas, e que foram profligadas por Neuwied, tiveram registros em seu livro, onde comentou o arcabuzamento público, na Bahia, dos chefes da conspiração: Martins, Ribeiro e Mendonça.

Naquelas cercanias, o Príncipe naturalista caçou uma espécie nova de pássaro, pertencente à família das cotingas, o corocoxó, que ele classificou para a ciência.

No dia seguinte, os viajantes seguiam, em grupo compacto, temerosos dos índios. Passaram o pequeno povoado de Barra do Siri que estava abandonado, pois os puris ou os botocudos o haviam atacado há cerca de dois meses, matando três pessoas.

Segundo comentário do jornal cachoeirense O ESTANDARTE, já em 1871 não apareciam mais nem vestígios de tal povoado. "...Foi neste lugar — publicou o jornal — que no último ataque dos bugres em 1818, por seu sangue frio, por sua tática, e por sua intrepidez, distinguiu-se uma mulher conhecida pelo nome de Mariazinha, que alguns cognominavam a EGIPCÍACA, a qual pondo-se à frente dos habitantes acometeu os índios. O combate foi sanguinolento; mas, afinal, os ferozes agressores tiveram de retirar-se, deixando grande número de mortos não só neste reencontro como também nos seguintes, desde a aldeia do Itapemirim até o lugar POÇO-GRANDE, hoje, fazenda do Major Antônio da Silva Póvoa, em cujas terras perto de uma cancela ficaram enterrados mais de vinte tapuias".

Quatro soldados patrulharam os cientistas por longa extensão da praia, até alcançarem duas casas, onde os moradores se julgavam em segurança por estarem armados.

Até o Itapemirim, a caravana passou por algumas lagoas com muitos patos selvagens, garças e gaivotas: Siri, Cacolucage, Boa-Vista ou Tabua, Dias e outras menores. Em certas épocas, as duas primeiras abrem a barra ao mar, constituindo um perigo aos viajantes, fato que, na ocasião, não deve ter ocorrido.

Ao meio dia, chegavam à Vila de Itapemirim.

Um alvará, datado de 27 de junho daquele ano, elevara o povoado de pescadores, agricultores pobres e uns poucos artífices, à categoria de Vila, com patrimônio de meia légua quadrada de terra e o compromisso, dos moradores, de construírem, às suas expensas, a Casa da Câmara, Pelourinho, Cadeia e Quartel.

O Capitão-Mor residia em sua fazenda, próxima da Vila. Nesta, onde havia algumas boas construções, morava um Sargento-Mor da Milícia. Neuwied notou as montanhas divisadas ao longe, conhecidas por Serra do Itapemirim. E fez referência às Minas do Castelo, cinco dias de jornada rio acima, donde, há cerca de trinta anos atrás, os tapuias haviam escorraçado os poucos colonos portugueses que vieram povoar a Vila de Itapemirim e arredores. Temidos, ainda por lá, viviam nômades, infundindo terror aos fazendeiros, desbravadores do alto Itapemirim e adjacências. Os mineiros davam informações, também, de outra tribo, além dos puris: os maracás, a quem atribuíam o massacre do Siri.

Os tapuias eram acusados da morte, em quinze anos, de quarenta e três colonos portugueses do Itapemirim. Não obstante, abria-se uma estrada, começada em 14 de setembro do ano anterior àquela viagem, no percurso das cabeceiras do rio às fronteiras de Minas.

Na Vila de Itapemirim, os naturalistas ficaram alguns dias. Bem acolhidos pelo Capitão-Mor do distrito, que outro não seria senão o Capitão Francisco Gomes Coelho da Costa, foram até a sua fazenda da AREIA apresentar-lhe os agradecimentos e as despedidas. A grande fazenda, situada na margem oposta do Itapemirim, era rodeada de pastagens, onde havia muito gado. Possuía engenho de açúcar e mais de setenta escravos.

Praia afora, puseram-se os viajantes em marcha, rumo à fazenda do AGÁ, onde pernoitaram. Sendo intenso o calor, o jovem puri, negociado em S. Fidélis, ensinou-lhes a mitigar a sede, arrancando as folhas dos gravatás, em cujo centro se armazena água das chuvas. O recurso não constituiria grande novidade para os cientistas, conhecedores que seriam da HISTÓRIA NATURAL DO BRASIL ILUSTRADA, de Guilherme Piso, publicada em Amsterdão, no ano de 1648, e que o menciona, como "grande gáudio dos viajantes".

Passaram pela povoação de Piúma ou Ipiúma. Ali encontraram, como raridade daquelas paragens, no trecho mais largo do riacho do mesmo nome, uma ponte de madeira de trezentos passos de comprimento. Do outro lado, receberam-nos os índios, de caras pintadas, e um marinheiro espanhol poliglota, que os tomou por ingleses.

O Príncipe de Neuwied notou a cor de café da água e citou a opinião do Barão de Humboldt para explicar tal originalidade, acreditando, como o sábio, resultar a coloração de uma solução de hidrogênio carbonado, da exuberância da vegetação e grande quantidade de matéria vegetal que forrava o leito do riacho.

Num pequeno vale aprazível, coberto de frondosas árvores, atravessaram o riacho Iriri, igualmente de águas escuras. Encontraram pitoresca ponte de troncos.

À tarde, atingiam o rio Benevente, em cuja margem podiam contemplar o formoso panorama do povoado de oitocentos habitantes, sendo dois terços de indígenas. Pernoitaram no Convento (onde morreu Anchieta), contíguo à igreja, que servia de Casa da Câmara. Diversos pequenos brigues, ancorados no porto, deram-lhes a idéia errônea de um grande comércio local. Na sacada do Convento, lado do norte, a vista do Príncipe Maximiliano se deteve na paisagem que lhe pareceu deliciosa. Ele escreveu: "O sol mergulhava no oceano azul-escuro que se estendia à nossa frente, transformando-lhe a imensa superfície num mar de fogo".

Após o repicar dos sinos da Ave Maria, o silêncio da planície era só quebrado pelas vozes de alguns animais da floresta, destacando se o piar do  jaó, ave que Neuwied classificou para a ciência.

No outro dia, deixaram Benevente, rumo a Guarapari. Passaram pela povoação de Obu, constituída de algumas cabanas de pescadores. Ao escurecer, abrigaram-se na praia de Meaípe, onde viviam de sessenta a oitenta famílias de pescadores.

Vencidos mais seis quilômetros de marcha, atingiam a Vila de Guaraparim, ou Guarapari, povoada por perto de mil e seiscentos habitantes. O Príncipe fez menção, na sua narrativa da viagem, das grandes fazendas circunvizinhas da Vila, citando a Fazenda DE CAMPOS, ou mais propriamente, DO CAMPO, que possuía quatrocentos escravos. Mencionou outra, com a metade desse número de negros, o ENGENHO-VELHO. Conta que ao dar-se a morte do último dono da Fazenda DO CAMPO, os pretos-escravos entraram em revolta e cessaram o trabalho. Um padre comunicou a ocorrência aos herdeiros, de Portugal, oferecendo-se para reimplantar a ordem na propriedade, assumindo sua gerência, desde que concordassem em dar-lhe uma parte da fazenda, ficando assim combinado. Mas os escravos rebelados o assassinaram na cama e formaram uma espécie de quilombo, assenhoreando-se da fazenda. Conta, ainda o Príncipe, que os pretos do ENGENHO-VELHO também se libertaram, ao mesmo tempo, chegando a enfrentar, vitoriosos, a uma companhia de soldados.

Naquela época da visita dos cientistas, os negros das duas fazendas tratavam os forasteiros com hospitalidade e procuravam fazer intercâmbio e comércio dos produtos que colhiam nas matas, notadamente o bálsamo do Peru, o óleo de copaíba e outro óleo muito volátil, extraído da cabureíba e conhecido por BÁLSAMO DA CAPITANIA e que era recolhido em cascas de coquinhos, cuja abertura era tapada com cera de abelha, gozando o mesmo bálsamo prestígio de exageradas virtudes medicinais.

O Espírito Santo sempre foi conhecido como rico em "paus de bálsamo, que são árvores altíssimas", segundo escreveu, em 1584, o padre Fernão Cardim, dizendo mais: "picam-se primeiro e deitam óleo suavíssimo de que fazem rosário e é único remédio para feridas".

O episódio de rebeldia dos escravos das duas fazendas de Guarapari, tão importante para a história da escravatura capixaba, não aparece mais detalhado por nenhum outro autor, ficando, desse modo, menos esclarecido. Tais acontecimentos seriam do tempo em que fôra Capitão-Mor de Guarapari Marcelino Pinto Rangel, morador a poucos quilômetros da Vila, na sua fazenda LAMEIRÃO. Por tradição verbal, contavam os macróbios que os escravos da Fazenda DO CAMPO pertencente ao Arcediago Quental se revoltaram contra o administrador da Fazenda PADRE DOMINGOS e o mataram a tiro. Um documento de 1752, emanado da Bahia, e firmado por Venceslao Pereira da Silva, faz referência ao padre Antônio Siqueira de Quental, "cônego da Sé do Rio de Janeiro, retirado no distrito da Vila de Guarapari". Outro documento, ou melhor, INFORMAÇÃO do CAPITÃO-MOR MONGEARDINO, ao Governador da Bahia, datado de 1790, também faz alusão ao já defunto cônego Quental e seus administradores, apresentando-os como usurpadores de grande parte das terras do patrimônio da Vila "...por haver deixado o dito cônego uma fazenda e engenho a quem diz pertencerem as ditas terras; esta fazenda anda litigiosa e não se sabe se pertencerá à mitra do Rio de Janeiro, se aos herdeiros do dito cônego, que existem em Portugal".

No dia seguinte, a comitiva tomou caminho pela praia, até a Ponta da Fruta, pequena aldeia de pescadores que já existia no tempo do Padre Anchieta. Cinco léguas mais, a cavalo, chegavam à Vila Velha do Espírito Santo. Preferiram alojar-se ali, por causa das pastagens para os animais.

Vila Velha resumia-se, quase, numa praça onde se defrontavam a Igreja do Rosário e o edifício da Câmara Municipal e a Cadeia Pública. Se os viajantes subiram a íngreme ladeira da Penha, devem ter sido recebidos, no Convento, pelo seu guardião, Frei José de Santa Felicidade.

Vitória pareceu ao Príncipe Maximiliano "um lugar limpo e bonito, com bons edifícios construídos no velho estilo português, com balcões e rótulas de madeira". Eles não mostravam, no entanto, senão em suas fronteiras, as ruínas em que se encontravam, quando o Governador Francisco Alberto Rubim assumiu o seu cargo. Ele os fizera reformar valendo-se, segundo as próprias afirmações, somente de persuasões e conseguiu, pelo mesmo processo, desentulhar as ruas e praias e fazer grandes desaterros, para construção de praças.

O Príncipe Maximiliano escreveu "cidade" grifada, e com acerto, pois a promoção não era oficial. Somente a 24 de fevereiro de 1823 D. Pedro I sacramentou-a, em decreto.

No edifício do Convento dos Jesuítas, ocupado pelo Governo, os três cientistas foram recebidos por Rubim, a quem solicitaram pouso nas cercanias da Capital, sendo-lhes destinada uma boa casa de veraneio na barra do Jucu, pertencente ao Coronel Bernardino Falcão de Gouveia Vieira Machado, comandante do Regimento de Polícia da capitania, dono de algumas fazendas dos arredores. A maior, ARAÇATIBA, possuía quatrocentos escravos, que cultivavam a cana-de-açúcar. Assim, se instalaram confortavelmente, pretendendo aguardar a passagem da estação chuvosa.

Os três viajantes visitaram ARAÇATIBA, a maior fazenda que encontraram durante a viagem, na opinião de Maximiliano. A sede era um grande edifício branco, fachada de dois pavimentos, com a igreja de N. Sra. da Ajuda de duas torres pequenas. A uma légua distante, na margem do rio Jucu, ficava a fazenda COROABA, de outro dono. Não muito longe, em Santo Agostinho (Viana), onde tentavam aclimatar-se quarenta famílias de imigrantes açorianos, o Governador Rubim iniciara a construção de uma igreja e, por esse motivo passara a residir naquele lugar, onde fizera sediar um Quartel de Pedestres. Estava empenhado na abertura duma estrada que fosse ter à província de Minas e confiara o importante encargo ao Coronel Inácio Pereira Duarte Carneiro, dono da fazenda BORBA, situada próxima. Em 11 de abril do ano anterior (1814), os trabalhos haviam sido ordenados, com o auxílio dos soldados pedestres.

Freyreiss e o Príncipe Neuwied procuraram abreviar a partida, deixando Barra do Jucu a 19 de dezembro, rumo a Caravelas. Sellow, com o restante da tropa, permaneceu herborizando na fazenda COROABA. Ele estava convencido, conforme confessou, posteriormente, ao seu amigo Olfers, Secretário da Legação Alemã na Côrte, em correspondência, "que não é fácil conciliar o interesse de uma viagem rápida com o de fazer boas coleções de material. O primeiro prejudica também muito os animais, especialmente nas regiões em que se não encontra milho. Por isto — dizia ele — prefiro andar mais devagar para tirar maior proveito da viagem".

Pelas cercanias de Vitória, Sellow demorou-se seis meses e meio, entretido com as atividades de botânico e geólogo do Museu Nacional e do Governo da Prússia. Iria reencontrar-se com os dois compatrícios no rio Mucuri.

A caravana do Príncipe de Neuwied, reduzida nos seus equipamentos, mas protegida por alguns homens bem municiados, atravessou as quatro montarias e dois burros de carga na baía que o Príncipe chamou de rio (mas corrigiu o engano), em PEDRA D'ÁGUA, sítio distante meia légua de Vila Velha, formado por uma colina em cujo alto havia uma casa solitária, donde se descortinava belo panorama que se estendia à esquerda, no estreito prolongamento da baía. O nome PEDRA D'ÁGUA originara-se da grande pedra isolada, que aflorava n’água, em frente à colina. Neuwied esboçou o panorama para ilustrar o seu livro, pondo em destaque a grande casa da fazenda RUMÃO, elevada à margem oposta, e, no fundo, o rochedo Jucutuquara, facetado em ângulos agudos, achando-o parecido com o DENT JAMAN do PAYS DE VAUD. O geólogo Charles Frederick Hartt, que em 1865 desenhou aquela montanha, julgou a estampa do Príncipe de Neuwied um mau desenho. Caracterizou, segundo o ângulo da sua perspectiva, o bloco granítico de São Leopardo, como montanha cônica. Saint-Hilaire, que esteve em Vitória quatro anos depois do Príncipe, observou, a princípio, que JUCUTAQUARA "termina por um rochedo nu, arredondado no cume e cilíndrico". Mas, emendou adiante: "o rochedo de JUCUTAQUARA não é, realmente, cilíndrico, como me havia parecido, quando o avistei, do alto da colina em cujo cume havia admirado pela primeira vez, a baía do Espírito Santo".

Esse ornamento da paisagem de todo o dia que, para o capixaba Adelfo Monjardim, está "em franco estado de desagregação e decomposição, não só atacado por agentes químicos que lhe esfoliam as paredes como pela ação eólia", pode desagregar algumas faces, em futuro remoto. Mas não creio que nenhuma transformação acentuada se tenha processado após a viagem do Príncipe Maximiliano. Sem desmerecer as qualidades do exímio desenhista que ele foi, era de responsabilizar o gravador Frenzel, de Dresden, como causador da divergência. Aliás, idêntico pecado poder-se-ia atribuir ao gravador J. Lips, de Zurich que, ao reproduzir outro desenho do Príncipe: "ninho e ovos de tartaruga na costa marítima", figurou os ovos amontoados na areia com tamanhos fora de proporções...

Almeida Prado escreveu que havia, nos artistas gravadores, "o costume de querer melhorar o decorativo das anotações de viagens", ao mesmo tempo em que ressaltava a probidade de três artistas holandeses que souberam reduzir, guardando a fidelidade, estampas do Príncipe de Neuwied.

Após três léguas de marcha, os viajantes arrancharam no arraial de PRAIA MOLE. Ao anoitecer, moradores do lugar os entretiveram, dançando o batuque ao som da viola.

Na parte da manhã seguinte, era transposto o arraial de CARAPEBUÇU, nas matas da região, o Príncipe-naturalista teve oportunidade de classificar um passarinho, do grupo dos "caga-sebos", vulgarmente conhecido por TEQUE-TEQUE ou RELÓGIO, que constrói o ninho próximo à casa de um marimbondo, em curioso comensalismo, para se proteger dos inimigos.

No mesmo dia, chegavam à Vila Nova de Almeida, grande aldeia de índios civilizados. No antigo Convento dos Jesuítas (residência do vigário), existiam, ainda, alguns velhos livros.

Neuwied escreveu que Sellow visitou, posteriormente, Nova Almeida, observando a maneira de pescar no rio SAÍ-ANHA ou Reis Magos, onde os pescadores intoxicavam o peixe com o tingui da praia ou barbasco. As florestas percorridas pelo rio, que os antigos aborígenes chamavam APIAPUTANG, eram ainda habitadas por coroados e puris. O Príncipe ouviu mencionar, também, a tribo dos xipotós.

Em poucas horas de cavalgada chegavam à Aldeia Velha, na foz do rio PIRAKAASSU, segundo grafou o Príncipe, ou Piraqueaçu (rio-do-peixe-grande), composta duma meia dúzia de choupanas de pescadores.

As margens do rio estavam cheias de depósitos de ostras.

A comitiva abrigou-se na casa de melhor aparência, ocupada pelo tenente comandante do Distrito.

No outro dia, os viajantes atravessaram o rio e, seguindo pela costa, chegaram, ao anoitecer, ao posto militar do Quartel do Riacho, que era guarnecido por seis praças e o comandante.

Acordaram de manhãzinha, e fizeram cansativa caminhada de oito léguas pelo areal que escaldava ao sol. Observavavam rastros, carapaças e esqueletos de grandes tartarugas marinhas, que iam desovar na areia. Mais uma vez, admiraram a experiência do jovem índio Francisco ao recolher, em vasos, água das chuvas retida nas bromélias, água negra e suja, que continha ovos de rãs e girinos. Coada num pano e misturada ao limão, açúcar e cachaça, serviu-lhes para mitigar a sede. Os caraguatás, retendo de um litro a mais, d'água, em cada planta, sempre constituíram um recurso para dessedentar os nossos sertanistas.

O Príncipe de Neuwied recolheu exemplares de pequena rã amarelada, espécie nova, descrita posteriormente, na série dos quatro alentados volumes da sua CONTRIBUIÇÃO A HISTÓRIA NATURAL DO BRASIL, que ele editou em Weimar.

Tarde da noite enluarada, acamparam no Quartel da Regência Augusta, situado na foz do Rio Doce. A guarnição, ali, se compunha de cinco pedestres.

Dormiram na casa espaçosa dos soldados, onde havia vários quartos, mobiliados rusticamente, e um tronco, conhecido instrumento de suplício da escravatura.

Na manhã do dia 26 de dezembro os dois naturalistas embarcaram numa comprida canoa, impulsionada com longas varas, por seis soldados. Pernoitaram na ilha GAMBIM, pouso habitual dos Governadores, quando visitavam o Rio Doce. Tendo o matagal tomado conta da ilha, o Príncipe de Neuwied concluiu que o Governador Rubim não continuara essas visitas. Injusta observação, pois decorridos dois anos daquela viagem, a 13 de setembro de 1817, Rubim visitava Linhares, lançando a pedra fundamental da sua igreja matriz.

Deixaram a ilha muito cedo e entraram por estreito canal. Era preciso abrir passagem, para a canoa, com o facão, cortando as galharias caídas. Esta cena, bem como a dum jacaré, que se esquentava ao sol e fugiu, são representadas em gravuras do livro do Príncipe.

Breve, chegavam a uma porção de ilhas, aproveitadas pelos habitantes para fazerem as suas roças, resguardando-se da surpresa dos índios, que não possuíam canoas. Na ilha DO BOI, residia o Guarda-Mor, enquanto o vigário de Linhares preferia residir na ilha do BOM JESUS.

Ao meio dia, desembarcavam em Linhares, dirigindo-se à casa do alferes Cardoso da Rosa, comandante do posto. Passaram o dia 28 de dezembro na fazenda BOM-JARDIM, fronteira ao povoado, em terreno tomado a força, dos botocudos. Pertencia ao tenente João Felipe de Almeida Calmon. Examinaram as lavouras desse pioneiro no cultivo da cana-de-açúcar no Rio Doce e acharam as roças de mandioca, arroz e cana, bem cuidadas pelos dezessete escravos da fazenda.

O insignificante povoado de Linhares se compunha de poucas casas, ou melhor, ranchos barreados a sopapo, cobertos de folhas de palmeiras. O cruzeiro erguido no meio da praça por ocasião da visita do Bispo do Rio de Janeiro, D. José Caetano da Silva Coutinho, era um aproveitamento do tronco de uma grande sapucaieira cuja copa havia sido desgalhada. As missas eram rezadas numa casinha.

Tanto o Quartel de Linhares quanto os demais postos de defesa, da região, espalhados em número de oito, possuíam algumas vestimentas protetoras contra as flechas: os gibões de armas. Largos, compridos como um capote de frio, tecidos de algodão, acolchoados de paina, gola alta, protegendo o pescoço, e mangas curtas, para não dificultar o movimento dos braços. Esses grossos casacos pesados e incômodos, especialmente no calor, não eram atravessados pelas flechas que neles ficavam dependuradas. Nem todos os soldados pedestres dispunham de um escupil, como também eram conhecidos. Constituíam prêmios para uso dos mais corajosos e intrépidos, aos quais serviam, ainda, como colchão de dormir.

Uma gravura de Neuwied mostra dois soldados de Linhares vestidos com gibão estofado. As espingardas que portavam ao ombro, tinham os gatilhos protegidos das chuvas e umidade por peles de mono, o maior macaco da região. Descalços, segurando cacetes na mão direita, chapéus de feltro e copa alta, mochilas às costas, facões pendurados do lado, em correia presa ao ombro e o polvarinho de chifre de boi (também usavam o bico do tucano), dependurado em colar, à altura do umbigo.

O Príncipe Maximiliano não teve ânimo de visitar a lagoa Juparanã, distante uns poucos quilômetros de Linhares. Transcreveu a descrição da visita àquelas paragens, feita por Freyreiss, meses depois.

Os dois companheiros de viagem levaram, de Linhares, presentes de algumas armas e ornamentos tomados dos botocudos. Foi-lhes oferecida uma criancinha da mesma raça, que era criada na fazenda BOM-JARDIM.

Em quatro horas, regressaram ao Quartel da Regência, numa grande canoa do Tenente Calmon, o qual os acompanhou.

Na manhã seguinte, 30 de dezembro, transportaram os muares para a outra margem do rio e cavalgaram duas léguas durante a tarde, até ao Quartel de Monsarás, ou Juparanã da Praia, que era guarnecido por sete soldados pedestres. Aí, vivia, há alguns anos, na sua casinha junto ao Quartel, sem medo dos índios, um macróbio bem humorado. Ele presenteou o Príncipe Maximiliano com o couro de um grande tamanduá cavalo, que caçara, fazia pouco tempo.

A coleção de história natural foi enriquecida com um grande besouro, o maior do Brasil. Um homem levou ao Príncipe algumas cabeças mutiladas do raro coleóptero e satisfez-lhe a curiosidade, informando que as mulheres de muitos lugares as usavam em colares de adorno.

Até a barra do rio São Mateus, "trecho de melancólica solidão", faltavam dezoito léguas.

No outro dia, fizeram um terço da caminhada. Dois soldados (um negro e um índio) que os acompanhavam, paravam constantemente, recolhendo na areia ovos de tartaruga. Só de uma gigante, que surpreenderam no ato da postura, re-colheram cem ovos no espaço de dez minutos, garantindo a provisão do jantar.

Na barra do rio São Mateus havia uma povoação com umas vinte e cinco casas. Fora iniciada, em 1725, por dois ou três foragidos da justiça. Ao alcançá-la, os viajantes ficaram alojadas numa venda.

O Príncipe de Neuwied não subiu o São Mateus para visitar a vila do mesmo nome que tinha uma centena de casas, nem mesmo o atraiu o desejo de conseguir um peixe-boi, encontradiço no rio. Lamentou que durante a sua estada de três a quatro meses no sul da Bahia não conseguisse obter um desses animais, indo satisfazer a curiosidade de naturalista quando voltou à Europa, examinando um exemplar do Museu de Lisboa.

Freyreiss, que voltou ao São Mateus no mês seguinte, conseguiu um material de grande interesse antropológico: o crânio de um velho botocudo, morto na povoação de Sant'ana, meia légua, pouco mais ou menos, acima de São Mateus.

Prosseguindo a viagem, os dois naturalistas passaram pela fazenda de criação de ITAÚNAS, propriedade do ouvidor da comarca de Porto Seguro, José Marcelino da Cunha. Cavalgaram entre o Riacho Doce e o rio das Ostras; atravessaram pequeno povoado no ribeirão Barra Nova e chegaram à vila de São José do Port'Alegre, perto da foz do Mucuri. Nas margens desse rio, o ministro Conde da Barca possuía consideráveis datas de terras e, por isso, procurava protegê-las dos selvagens.

Freyreiss e Sellow se despediram do Príncipe Maximiliano de Neuwied no Mucuri a três de fevereiro. Resolveram regressar pela província do Espírito Santo, levando a tropa de muares, enquanto o Príncipe, após se deter por mais algum tempo, naquelas florestas, tomaria um vapor na capital da Bahia.

Após uma curta estada em Linhares, Freyreiss apareceu, ainda, no Mucuri "com o resto da nossa gente", informa o Príncipe, em começos de maio, juntando-se àquela caravana por mais algumas semanas.

O historiador Basílio Daemon escreveu que Freyreiss e Sellow remeteram, de Vitória, a 10 de abril de 1816, ao Governo Imperial, quatorze caixões de "produtos naturais" da Capitania, que eles colecionaram, detalhando que a remessa, por intermédio do Governador, fora feita na sumaca GUIA, pertencente a João Inácio Rodrigues.

Jornadeando pelas matas, e permanecendo entre os botocudos, sobre os quais fez magnífico estudo, o Príncipe de Neuwied ainda voltou, em fins de setembro, a se encontrar com os dois companheiros de viagem e esteve na companhia deles durante mais três semanas.

As coleções de zoologia e botânica de Freyreiss se encontram nos gabinetes de história natural de Berlim, Estocolmo, Leyden e Moscou. Oscar Constatt, autor do REPERTÓRIO CRITICO DA LITERATURA TEUTO-BRASILEIRA, narra que ele perdeu considerável fortuna num naufrágio na região dos botocudos, sem especificar se foi no sul da Bahia ou norte do Espírito Santo.

O Barão de Tschudi, tratando da imigração suíço-alemã, cita um contrato, firmado em Francfort-sôbre-o-Meno, o qual estipula que os Srs. G. A. Schaeffer e Guilherme Freyreiss, proprietários das colônias de Leopoldina e Frankental, existentes desde 1816, nos rios Caravelas e Viçosa, deviam receber os imigrantes em suas terras. E comenta que Freyreiss foi um dos fundadores da colônia Leopoldina; resume a história da colônia Frankental (Jacarandá), mas não volta a se referir ao naturalista viajante.

O historiador capixaba Misael Ferreira Pena nos informa que Freyreiss teria visitado as minas de ouro do Castelo, em dezembro de 1825, porém o obituário do cientista registrou-se a 19 de abril deste mesmo ano, na colônia agrícola que ele fundou.

O comerciante francês Tollenare, em suas NOTAS DOMINICAIS, teve ocasião de registrar, num domingo (21 de setembro de 1817), seu encontro, em Salvador, com os dois jovens naturalistas alemães, Freyreiss e Sellow, companheiros do Príncipe de Neuwied, informando que este acabava de regressar à pátria, levando, na bagagem, os manuscritos da primeira parte de sua narrativa de viagem ao Brasil. Sellow pareceu-lhe mais versado em botânica e considerou Freyreiss um excelente entomologista, notando que ambos não eram muito inclinados ao estudo dos minerais. Os dois companheiros estiveram adoentados naquela capital, onde também se encontraram com o zoólogo inglês William Swaison, o qual lhes mostrou as suas coleções de plantas e insetos recolhidos no nordeste.

Varnhagen, na sua HISTÓRIA GERAL, assim se refere ao Príncipe Maximiliano de Neuwied: "O Príncipe, depois de outra viagem que realizou ao FAR WEST dos Estados Unidos, recolheu-se a Neuwied, à margem do Reno, onde converteu quase em Museu americano o Palácio dos seus antepassados, dando por feliz o dia em que aí o procura um brasileiro..."

De Salvador, Sellow fez a primeira remessa de material colecionado para o Museu de Berlim, em outubro de 1817. Outras quatorze remessas, totalizando 5457 espécimes de material ornitológico, seriam, ainda efetuadas, ao completar a sua larga excursão pelas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

A 29 de março de 1831, Frederico Sellow fez um testamento, que assinou e lacrou, legando ao Museu Real de História Natural de Berlim, as coleções organizadas durante os dezessete anos que permaneceu em nosso país: "Todos os manuscritos, desenhos, mapas, livros e impressos em geral, aparelhos de física e de laboratório, relógios e as plantas do herbário, conforme as deixo arrumadas nos caixotes e malas marcadas com o letreiro: F. S."

Na província de Minas Gerais, em outubro de 1831, segundo apurou Olivério Pinto, Sellow pereceu afogado na Cachoeira Escura, do Rio Doce, ou "sucumbiu nas águas daquele rio, quando tomava banho, em dia não identificado do mês de novembro de 1831", se preferirmos a conclusão a que chegou outro cientista do Jardim Botânico de São Paulo: F. C. Hoene.

Os autores são controvertidos ao registrar o passamento do notável botânico. Daemon, diz que a morte ocorreu por afogamento no Rio Doce, em 1830. José Marcelino (historiador mais antigo), a notícia nas mesmas circunstâncias, em 1831. O Visconde de Taunay escreveu que o afogamento foi no rio Mucuri, em 1819. Cândido de Melo Leitão escreveu, no livro: A BIOLOGIA NO BRASIL, que o afogamento foi no rio Macacu. Houve até um pesquisador, Dr. Hugo Schramm que, sem fornecer detalhes, disse que Sellow foi assassinado...

 

Fonte: Viajantes Estrangeiros no Espírito Santo, 1971
Autor: Levy Rocha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016

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