Tropas: um tema para poesia – Por Ormando Moraes
As tropas e os muares, sobretudo representados na figura do burro, constituíram, em seu tempo, um tema poético bastante utilizado, tanto em âmbito nacional quanto regional.
Seria preferível reproduzir aqui apenas a poesia capixaba, porém, não se consegue resistir à tentação de transcrever, por exemplo, "A festa do burro", do Padre Antônio Vieira: —
— Quanto deves sofrer! que vida a tua!
Falou uma cabra a um burro, certa vez.
— Com cabresto eu não durava um mês!
— Oh! — diz o burro — a gente se habitua.
Depois, quando, aos domingos, o patrão
Põe-me o penacho, que é uma raridade,
Para levar-me à feira da cidade,
Esqueço tudo. Que felicidade!
De um clássico da língua portuguesa, Guerra Junqueiro, existe um poema, "A moleirinha", de uma beleza comovente e do qual vão aqui alguns versos:
Pela estrada plana, toc, toc, toc,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toc, toc, toc,
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...
Toc, toc, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol !...
E contudo alegre como um passarinho,
Toc, toc, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol
.......................................
Toc, toc, toc, lindo burriquito,
Para minhas filhas quem m'o dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a Virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.
.......................................
Toc, toc, como o burriquito avança!
Que prazer d'outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui creança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou na palha o menino Deos.
Da produção poética capixaba vale a pena citar e transcrever o bonito poema, "Madrinha da tropa", de autoria do saudoso Elmo Elton, assim como "Os tropeiros", do poeta Carlos Campos:
Madrinha da tropa
Lá vem, num galope,
madrinha da tropa.
Vem toda enfeitada
de fitas vermelhas,
douradas e roxas:
Vem toda bonita,
com arreios de prata,
madrinha da" tropa! "
Perfume da Serra"
vem vindo, ligeira,
fazendo barulho, sineta batendo
aldeia acordando
do sono da tarde.
Madrinha da tropa
entrou no arraial.
Que tanta algazarra
na voz dos meninos!
As donas de casa
se põem às janelas
e atiram-lhe flores.
"Perfume da Serra",
num trote garboso,
nem olha os meninos,
nem vê a homenagem
das donas de casa.
Madrinha da tropa,
assim colorida,
com fitas vermelhas,
douradas e roxas,
com arreios de prata,
sineta batendo,
é a nota mais linda,
a nota encantada
das tardes da aldeia.
Madrinha da tropa,
"Perfume da Serra"!
Rainha das tardes,
rainha matuta
das longas estradas
do nosso Brasil !
Os tropeiros
Num paralelo formado,
entre o presente e o passado,
quanto aos meios de transporte,
veremos em nossos dias,
que as modernas rodovias
nos trouxeram melhor sorte.
Antigamente, o transporte,
fosse do sul ou do norte,
pelo sertão brasileiro,
era mantido sem falha,
pelos burros de cangalha,
comandados por Tropeiro.
Os lotes eram formados
por dez burros adestrados,
para as pelejas do dia...
Esses muares tangidos
levavam peso aos gemidos,
seguindo a mula de guia...
Atravessando atoleiros,
os caldeirões, os bueiros,
com muita dificuldade;
mas a tropa ia rompendo,
com seus cincerros batendo,
para alcançar a cidade!
Cremos que a mola real
da vida comercial
dos centros interioranos
tinha como pioneiro,
o transporte do Tropeiro,
nos passados longos anos!
Seria muito expressiva
a feliz iniciativa,
para a estátua do Tropeiro!
Ele foi, nesses setores,
um dos grandes propulsores
do comércio brasileiro!
Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016
Ao longo de 20 dias, um grupo de 13 capixabas está revivendo parte da história do Brasil Colônia ao refazer os passos de Dom Pedro pelo interior do Estado
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